/// . Baobá Voador .
Produssumo – Décio Pignatari

“Não há porque chorar o glorioso cadáver, pois de suas cinzas já vai nascendo algo muito mais amplo e complexo, algo que vai reduzindo a distância entre PRODUÇÃO e CONSUMO e para o qual ainda não se tem um nome: poderá inclusive continuar levando o nome do defunto, como uma homenagem póstuma: arte”

“Linguagem, comunicação e vida – eis o que há de novo, além do meramente estético-artístico. Nada de impingir à massa o que chamamos de cultura. Mesmo porque a masssa e os meios de comunicação de massas é o que estão derruindo essa cultura pré-selecionada. Quantidades à massa. Para que ela desenvolva a sua capacidade de opção e seleção – a sua capacidadde de criar. Acaso e escolha. Chance & choice. Invenção. Na linguagem, como na vida, como na máquina.”
Décio Piganatri, 1969

O termo Produssumo foi escrito pela primeira vez na revista “O Cruzeiro”, de 1969, e é fruto da investigação do autor sobre a arte (porém não só dela) naquele final de década.

Já em 1968, em seu texto “Comunicação e cultura de massas”, mesmo sem citar o termo, ele prepara um repertório intelectual sobre a dualidade cada vez mais inexistente entre produção e consumo, usando exemplos da cultura de massa em oposição à arte considerada como culta, bem como os formatos acadêmicos em voga. O poeta concretista afirma então:

“A partir daí (das observações de Walter Benjamin no livro A obra de arte no tempo de sua reprodutibilidade técnica), tem início a reversão do sistema de consumo da obra de arte: não é mais o espectador que vai ao objeto, mas o objeto que vai ao apreciador. (…) o cinema, mesmo no início da fase sonora, sofria os mesmos ataques que a intelligentsia move hoje contra a televisão. (tais) constatações vem em apoio das teses centrais de marshall mcluhan, segunda as quais o que está em causa e em crise é a primazia do sistema verbal e de sua lógica linear-discursiva, nos processos de informaćão e comunicação onde, de outra parte, um veículo novo (como a televisão) tende a “artistificar”, tornar artístico o veículo anterior (o cinema, no caso): o veículo é a verdadeira mensagem e o seu “conteúdo” é o veículo anterior que, no processo, se artistifica; poderíamos acrescentar que ele se artistifica na medida em que se “artesaniza”, em comparação com o veículo mais avançado. (…) já existe um mercado de consumo, de repertório alto, para a arte de vanguarda (toda arte do nosso tempo é arte de vanguarda), que assim busca defender-se contra a arte de massas, da qual tende ser metalinguagem (a pop arte não é senão metalinguagem da arte popular criada pelos meios de comunicação de massa). Podemos dizer que estamos assistindo a agonia final da arte: a arte entrou em estado de coma, pois seu sistema de produção é típico e não prototipico, não se prestando ao consumo em larga escala. Não há porque chorar o glorioso cadáver, pois de suas cinzas já vai nascendo algo muito mais amplo e complexo, algo que vai reduzindo a distância entre PRODUÇÃO e CONSUMO e para o qual ainda nnão se tem um nome: poderá inclusive continuar levando o nome do defunto, como uma homenagem póstuma: arte”

E mais a frente, o autor afirma que “(…) não é a linearidade que preside a defunção e sucessão dos veículos: arcaicos, antigos ou novos, todos eles se interacionam, e é deste atrito, como observa mcluhan, que vão nascendo as novas estruturas de percepção da sensibilidade e da inteligência. Muita arte chamada de produção é inferior a várias das manifestações das chamadas arte de consumo: vejam-se os Beatles, dos filmes de Lester, e do Sgt. Peppers, em comparação com muitos filmes “artísticos” e muita música erudita; vejam-se certas realizações da bossa nova e de caetano veloso, em comparação com as obras de um Camargo Guarnieri; veja-se a riqueza de invenção dos anúncios, dos cartazes e dos jingles de televisão. (…)

Assim como a história, no dizer de Marx, só repete como paródia, assim a aristocracia se reencarna na burguesia sub specie imitationis. De outra parte, a classse média busca envernizar o que é do “vulgo”. (…) com a formação dos primeiros grandes centros urbanos de consumo, surgiu a publicidade, para forjar uma linguagem que conferisse status e legitimasse a classe média afluente. (…) a “tradução” operado nos textos publicitários – expressões e palavras – são das mais curiosas. Assim, sapato virou calçado, pasta de dentes virou (…) creme dental, graxa virou pomada (…): é o que se pode chamar de styling redacional, fenômeno típico do grande consumo e que confina com o kitsch. É neste processo de consumo, segundo camadas sociais, ou segundo faixas mais ou menos hierarquizadas, por força da divisão do trabalho, que as coisas tendem a se transformar em signos, e os signos em coisas. (…) O que importa é observar como os objetos utilitários se organizam em linguagem, em verdadeiros sistemas de signos de consumo, de duração relativamente curta, articuladas num ritmo peculiar à sociedade de consumo, que é o ritmo da moda.”

O autor mostra, mais adiante no mesmo artigo, como a burguesia forja e amplia seu repertório “consumindo – deglutindo, canabalizando um repertório mais alto”, mas que a grande massa aspira ao mesmo fim: o consumo da informação, segundo pignatari, “o bem de consumo do nosso tempo”. E salienta que o sistema institucionalizado procura manter-se no poder combatendo as alterações de linguagem, alterações tais que “subvertem sua tábua de siginificados e de critérios de partilha”, e alerta: “a massa também é capaz de metalinguagem e o ponto extremo de sua praxis se chama revolução social.”

(PIGNATARI, Informação. Linguagem. Comunicação., pg. 82 – 86)

Já em 1969, em uma espécie de artigo-manifesto, publicado na revista “O Cruzeiro”, uma das revistas de maior vendagem no país durante as décadas de 60 e 70 (e que foi substituída depois pela revista Manchete, que seguia a mesma linha editorial), Décio Pignatari finalmente encontra o termo para a nova arte, a arte do novo sistema de produção e consumo, a arte dos “bárbaros”:

“A colagem é a sintaxe provisória da síntese criativa, sintaxe de massa. A colagem é a montagem da simultaniedade, totem geral. É tempo de massa de de síntese, não de centralização. Não há mais tempo para textos, só para títulos. Textítulos, textículos. Só a NOVA BARBÁRIE abre a sensibilidade aos contatos vivos. Os Ushers, de Poe, chegam a um tal requinte dos sentidos que se podem suportar a grossura do paladar. A tecnologia chega a um tal ponto de requinte que passa a requerer o marco zero de uma NOVA BARBÁRIE para desobstruir os poro. Sociedade cada vez mais rica, vida cada vez mais pobre. O dinheiro é a leucemia. Os modelos de consumo de hoje são os modelos da produção de 40 anos atrás: vide Oswald de Andrade e o Tropicalismo do grupo baiano. É tempo de PRODUSSUMO. O estudante está para a universidade como o operário para a fábrica. O estudante é o operário da informação. Os estudantes repetem na superestrutura os modelos das lutas operárias infraextruturais do passado. PRODUSSUMO. O mundo do consumo substituído pelo mundo da informação, onde se travarão as grandes lutas. NOVA BARBÁRIE: campo aberto para os novos modelos da batalha informacional. As elites, particularmente as do ensino, estão podres de burrice: qualquer novo bárbaro sabe mais do que eles. Não é necessário que cada indivíduo possua automóvel para que se produza uma nova cultura. O mundo das coisas é para a posse, o mundo dos signos para a cultura. O artista é um designer da linguagem, ainda que marginalizado – e especialmente. É a guerrilha artística. É a NOVA BARBÁRIE. Atraz de cada mito freudiano se esconde um cifrão.. A alegria coletiva é a prova dos nove: contatos em profundidade. Além das cifras. E contra os cifrões.”

in english:

Produsummo – Décio Piganatari
“Language, communication and life – here´s what´s new, beyond the merely aestethic-artistic. No impinging to the masses what we call culture. Even so because the mass and the mass media is what is destroying this pre-selected culture. Quantities to the masses. So that it can develop its capacity of option and selection – its creational capacity. Chance and choice. Acaso & escolha. Invention. In language, as in life, as in the machine.”
Décio Pignatari, 1969

The term produssumo was writen for the first time on the magazine “O Cruzeiro”, from 1969, and it is a fruit of the author´s investigation about art (but not only art) at that end of that decade.

Already in 1968, in the text “Comunicação e Cultura de Massas” (Communication and Mass Culture), even without naming the term, he prepares an intelectual repertory about the ever more fading duality between production and consumption, using examples from the mass culture in opposition to art considered as cult, as much as the standard academic formats. The concretist poet affirms then:

“From then on (Walter Benjamin´s observations on the book “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”), it starts the reversal of the system of the work of art´s consume: it is not the spectator that goes to the object, but the object that goes to the appreciator. (…) the cinema, even at the beggining of its sound phase, suffered the same attacks that intelligentsia moves today against television. (those) constatations come in support to the central thesis of Marshall McLuhan, against what is in cause and crisis is the primacy of the verbal system and its linear-discursive logic, at the information and communication processes where, the other part, a new vehicle (such as the television) tends to “artistify”, to turn artistic, the previous vehicle (the cinema, in this case): the vehicle is the very message and its “content” is the precious vehicle that, on the process, artistify itself; we can add that it artistifies itself in the same proportion that it “artesanify” itself, in comparission with the most developed vehycle. (…) there is already a consume market, of a higher repertoire, for the vanguard art (all art from our time is vanguard art), that in this way aims to defend itself against the art of the masses, from which inclines to be metalanguage (pop art is nothing more than popular art metalanguage created by the mass communication media). We can say that we are looking at the final agony of art: the art entered in a coma stage, because its system of production is typical and not prototypical, not useful for large scale consume. There is no reason for crying over the glorious cadaver, because from its ashes is already growing something much larger and complex, something that is reducing the distance between PRODUCTION and CONSUMPTION and is still nameless: could even continue to keep the name of the corpse, as a postume homage: art”

Further on the text, the author affirms that “(…) it is not linearity that presides the defunction and sucession of vehycles: archaic, old or new, all of them interact, and it is from this friction, as McLuhan observers, that are growing the new structures of sensibility and intelligence perceptions. A lot of the art called production is inferior to the many manifestations of what is called consume art: look at The Beatles, Lester´s films, and Sgt. Peppers, in comparison to many “artistic” films and classical music; look at certain realizations of Bossa Nova and Caetano Veloso, in comparisson to the works of a Camargo Guarnier; look at the rich invention of adverts, bill posters, television jingles. (…)
As much as the history, in Marx saying, only repeats as a parody, as much the aristocracy reencarnates at the bourgeoisie sub specie imitationis. From other part, the middle class seeks to varnish what is from the “vulgar”. (…) with the formation of the early large urban centers of consume, emerged advertisment, to forge a language that could bring status and legitimacy to the afluent middle class. (…) the “translation” applied at the advertisment texts – expressions and words – are the most curious. In this sense, boot became shoes, tooth paste became dental cleansers, wax became shoe shine (..); this is what is called textual stylling, a typical phenomenon of the great consume that confines with the kitsch. It is in this process of consume, through social layers, or through more or less hierarchical zones, by the force of labour division that things tend to transform themselves in signs, and the signs in things. (…) What is important to observe is how the utilitarian objects organized themselves in languages, in a real system of signs of consume, of relative short duration, articulated at a rythm peculiar to the consume society, that is the rythm of fashion.”

The author shows a bit further on the same article how the bourgeoisie forges and amplifies its repertorie “consuming – degluting, canibalizing a higher repertoire”, but that the large mass aspires the same end: the consume of information, as pignatari says, “the consume good of our time”. And stresses that the institutionalized system looks to maintaim itself in power fighting language alterations, alterations that “subvert their table of signifiers and sharing criteria”, and alerts: “the mass is also capable of metalanguage and the extreme point of its practices is called social revolution.”
(PIGNATARI, Informação. Linguagem. Comunicação, pg. 82 – 86)

In 1969, in a kind of article-manifest, published at the magazine “O Cruzeiro”, one of the best-selling magazines during the decades of 60´s and 70´s (later substituted by Manchete magazine, that followed the same editorial line), Décio Pignatari finally finds the term for the new art, the art of the new system of production and consumption, the art of the “barbarians”:

“The collage is the provisional sintax of the creative synthesis, mass sintax. The collage is the assembly of simultaneity, general totem. It is time of mass and synthesis, not centralization. There is no more time for texts, only for titles. Textitles, texticles. Only the NEW BARBARIE opens up the sensibility to the live contacts. The Ushers, from Poe, achieved such a refined sense that they can support the tick taste. Technology achieves such a refinement that it starts to require the zero mark of a NEW BARBARIE to desobstruct the pores. Society ever more rich, life ever more poor. Money is the leucemy. Today´s models of consume are the models of production of 40 years ago: such as Oswald de Andrade and the Tropicalism of the baianos group. It is time of PRODUSSUMO. The student is for the university what the worker is for the factory. The student is the information worker. The students repeat at the superstructure the models of the infraestructural workers struggles of the past. PRODUSSUMO. The world of consume substituted by the world of information, where the big fights will happen. NEW BARBARIE: open field for the new models of the informational battle. The elites, specially the academic ones, are rotten with stupidity: every new barbarian knows more than them. it is not necessary that each individual person possess automobiles so that a new culture is produced. The world of the things is for the ownership, the world of signs for the culture. The artist is a language designer, even though marginalized – and specially. It is the artistic guerilla. It is the NEW BARBARIE. Behind each Freudian myth hides a $ (cifrão)… The collective joy is the final proof: contacts in deep relationship. Beyond the cyphers. And against the $$.”

texto-pesquisa: tatiana wells, paulo lara e ricardo ruiz, inicialmente publicado em http://pub.descentro.org/produssumo (site não ativo)

1 Comment to “Produssumo – Décio Pignatari”

  1. tacira says:

    texto complementar

    http://www.radiolivre.org/node/3667

    gracias novaes!