Copio abaixo trechos de e-mails que circulam hoje na internet descrevendo a saga da desocupação do espaço cultural Once Livre, em Buenos Aires, articulado de forma autônoma e multidisciplinar pelos horti-guerrilheiros Articultores. Agora até seus servidores foram atacados- todos os sítios web do projetos articutores.net oncelibre.com.ar e villamayor.com.ar encontram-se fora do ar! Do outro lado do Atlântico, espanhóis tomam a Porta do Sol num acampamento gigante.Há quatro dias as ruas de Madri estão tomadas e jovens sem futuro como alguns são chamados ficarão por lá pelo menos até domingo, dia das eleições. Hoje Articultores gravam seu terceiro programa de rádio. Hablaram de uma revolución, de una crise? Pensarão sua autonomia? Aguardamos reflexões!
horta em espiral feita pelo coletivo Baobá em residência no Once Libre.
“Once livre é um desses frágeis oásis ocasionais que de vez em quando florescem e sobrevivem em meio à devastação cotidiana. Estamos tão acostumados a viver com toda a maquinaria que ao todo mede em termos de valor e mercadoria, e converte com eficiência exemplar cada flor do desejo humano, em produto de mercado tão rentável como estéril, que os espaços libertados deconcertam, ou provocam estranheza. Algo tão simples como a construção para a existência genuína de mundos habitáveis (alguns chamam de arte): bombas de sementes, cultura livre, jardinagem de guerrilha, antenas livre, e pirataria.
O terceiro andar do antigo hotel em frente à Praça Miserere, estava em ruínas, cheio de detritos, inutilizável. Poucos meses depois, por puro voluntarismo, à pulmão e sem um único centavo, Articultores o transformaram em uma fonte inesperada de intensa atividade cultural: existem dezenas de artistas residentes (artistas plásticos, escultores, foógrafos, performers) da Argentina e outros países, trabalhando em um espaço de criação compartilhada. Realiza-se oficinas gratuitas sobre temas tão (aparentemente) distantes como construção e cozinha com forno solar, armados com antenas para redes wi-fi livres, pintura livre, hortas urbanas, música eletrônica ou instalação de software livre. Publicam “Articultores”, uma revista bimestral gratuita. Começaram a fazer um programa de rádio. Partido Pirata teve ali sua Piratefest e Buenos Aires Livre seu hacklab. Todas as atividades são livres, gratuitas e abertas à comunidade.
Despejo Iminente
Neste momento (quarta-feira de madrugada), os companheirxs de Articutores / Once Livre estão sem luz, trancados e à espera de um desalojo iminente (mas não-judicial). Observe que o espaço Once LIvre não se ocupou clandestinamente, o foi cedido, com o apoio da Secretaria de Cultura de La Nación e, além disso, conta com o apoio do Centro Cultural de Espanha em Buenos Aires (CCEBA), Pro Huerta (que declarou de interesse a continuidade de Once Livre) e da Central de Movimentos Populares.
Aparentemente, as divergências entre os grupos que estariam encarregados do local, levaram a esta situação crítica. Espera-se que tanto valioso trabalho realizado não seja perdido e não se perca um espaço de cultura popular em uma cidade onde não sobram muitos (e os ventos políticos da capital não vislumbram nenhuma alteração.) Qualquer um que simpatize com a idéia de arte como um prática social cujo fim não se constitui em um adorno de luxo do ou das classes privilegiadas, nem um produto vazio para consumo, mas uma atividade compartilhada, popular, e que por si fosse pouco reflorestar de alimentos à cidade, pode deixar de ter Once Livre como um valioso lugar.
Estamos confiantes de que haverá vontade de chegar a um entendimento, e não se termine cortando a cadeia pela conexão mais débil: os espaços culturais abertos à comunidade, auto-gestionados, que logicamente não têm grupos de choque para resistir.
Existem muito poucos lugares físicos que sirvam para difusão da cultura livre, ou que tenham tomado para si os princípios do software livre para articulá-la com outras formas de expressão cultural, o que faz Once Livre duplamente importante para aqueles que acreditam em modos alternativos de produção e distribuição de bens culturais.creio que os companheiros de Once Livre, pelo menos, necessitam saber que têm o nosso apoio.”
fonte: http://www.derechoaleer.org/2011/05/encerrados-y-sin-luz.html
Mensagem do coletivo que foi tomado de surpresa pelo corte de luz e chegada de agentes de despejo sem uma ordem ou comunicação oficial. O coletivo tinha recebido recentemente uma carta de apoio de uma instituição cultural local sendo reconhecido na mídia internacional, de massa e alternativa por seus experimentos de jardinagem pública.
“Diante de tanta insisnsatez, parece útil compartilhar algumas dúvidas em formas de palavras, algumas idéias em forma de razões (?), Algumas lutas para “aprender com os erros”, alguma incerteza enquanto “é possível.”
Razões para a(s) autonomia(s). Palavras de jovens em Resistência Alternativa na apresentação do livro “Pensar as autonomias.”
Partimos da idéia de que é urgente que se pense sobre as rotas contra e mais além do capitalismo; temos como premissa a emergência social e planetária frente ao ecocídio e a barbárie, representada pelo sistema de guerra, poder e dinheiro em que vivemos. No meio da catástrofe global … nos últimos 20 anos têm surgido inúmeras e variadas experiências desde abaixo, de autogestão, autoregulação e autorganização da reprodução social da vida. Mesmo que as coletividades dos subalternos sejam chamadas de muitas maneiras, por vezes definida como autonomias. Esta forma de organização e ação social, como uma estratégia de mudança e emancipação, como uma forma de fazer política, e como uma possibilidade embrionária de um mundo pós-capitalista tem enfrentado e, às vezes polarizado com a vida canônica e dominante de mudança social: a organização em forma de partido, a tomada do poder e a reorganizações social desde o Estado.
Confrontado com essa tensão nós, homens e mulheres, como jovens em resistência alternativa, tomamos a definição pelas autonomias, devido a três razões. A primeira delas é que sustentar a tese de que através dos partidos políticos dominantes se possa esperar por mudanças, é sustentar uma estratégia de imobilidade, inação e heteronomia. É ignorar a profunda crise de representação e fazer caso omisso a crise do próprio Estado, que não é só o produto do neoliberalismo. Sustentar a via partidária hoje pode ser – se quiser – realista, no sentido pragmático, mas nos condena a fazer uma política de espectadores, a observar uma política alheia, a deles, dos de cima. Sustentar a via partidária significa que nos feitos vamos centrar nossa atenção e nossa energia no que eles dizem, fazem, não fazem: suas idéias e alianças, suas opiniões e seus debates, de si mordem o umbigo ou varam a língua para fora.
Nós, frente à essa política dizemos NÃO.
Não queremos orbitar nem queremos depender de uma política deles, definida por eles. Nós queremos uma política que nos faz sujeitos, que faz sujeitos políticos aos subalternos. que questione as relações de dominação e exploração desde abaixo. Que não espere, que aja. que não delegue, senão organize, que não se deixe guiar mas que construa o seu próprio caminho. Por isso dizemos que a autonomia é uma maneira de se fazer política. Não é que pensemos que a classe política e o Estado são irrelevantes, mas sabemos que com certeza para eles, nós sim o somos.
Na autonomia como uma forma de fazer política se joga a constituição de novos sujeitos coletivos ou a dependência e a heteronomia das classes dominante. Nós optamos pela autonomia. A segunda razão porque a sentimos afins a uma política de autodeterminação e autonomia refere-se aos supostos limites da uma estratégia de mudança social, a revolução e a toma de poder. Hoje a estratégia insurrecional não parece estar na moda. Embora as revoltas populares da Bolívia, Equador e Argentina, falaram nesta década com a linguagem da rebeldia, a desobediência generalizada e cujo poder destituinte abriu e despejou o caminho direta ou indiretamente para os Kirschnner, Correa e Morales.
Hoje a estratégia insurrecional não está na moda, mesmo que seja através delas como se rompem e desarticulam as ditaduras do Egito e Túnis com as insurgências civis. Hoje está na moda tomar o poder através da democracia liberal representativa. Democracias que se bem – pelo menos na América Latina – custaram sangue, mortos e anos de luta, hoje nos apresentam como visão hegemônica da política, o político, como única forma de mudança social.
Sustentar essa via, assim, as secas, sem matizes nem visão crítica, não diz nada sobre as profundas contradições da esquerda partidária e institucional da democracia representativa. Cala-se sobre as alianças da esquerda em todo o continente com o capital imobiliário e turístico que despoja vizinhos e comunidades da únca coisa que têm em nome do mal chamado desenvolvimento, cala-se frente às alianças da esquerda partidária no poder com a agroindústria, com a soja transgênica, com os produtores de etanol, supostamente justificada pela sua utilidade para a atração de capitais, mas que deixa um rastro de destruição e de devastação ambiental.
É silenciosamente cúmplice das esquerdas partidárias cujos graus de corrupção e clientelismo são ultrajantes. Nada é dito de governos aliados ao capital de extração que ao levar o petróleo ou o ouro somente deixam morte e destruição aos povos. Se a insurreição não está na moda, ou há que se esperar por ela ciclos centenários para elas, nos dizem, o que resta – de qualquer maneira – é aceitar o que há, a maneira menos pior: aceitar a esquerda corrupta e sua perversa aliança com o capital para governar. Não há para onde fazer-se, há que aceitar a política como a arte do possível, para parafrasear um dos temas desenvolvidos por Benjamín Arditi, no livro que apresentamos hoje.
Nós, homens e mulheres, novamente, teimosamente, dizemos NÃO. Que precisamos de uma estratégia de luta que não está derrotada antes de começar. Uma estratégia baseada no horizonte pelo qual lutamos, não separando nem os meios nem os fins. Uma estratégia que melhor se não se acomoda ao possível cuja definição e alcance é sempre ideológico, que não se conforma, qu não se asfixia a si mesma, que não seja fatalmente pragmática, ou que adie a mudança para um futuro incerto. Uma estratégia de luta que não somente esteja baseada sobre a eficácia de maioria votante, nem somente nos frios cálculos das manobras para conseguir maioria ou hegemonia. Uma estratégia de luta que favorece a autorganização como um instrumento de libertação, que experimenta o autoregulação como gestão coletiva do comum, que constrói autodeterminação desde abaixo para, desde aí, contruir a emancipação. Que privilegia a ação direta dos subalternos, que experimentam sua libertação cotidiana nos interstícios, na periferia da política dominante, desde onde, não sem contradições, existe a possibilidade de empurrar relações sociais alternativas ao mercado, mas também ao Estado.
Não é que criamos só daí, destes pequenos espaços sociais se conseguiram mudanças gerais; tampouco é que apostemos somente no pequeno e local.; nem é uma vocação de marginalidade a que nos move. O que mais ou menos intuimos, sem dúvida, é que nenhuma luta pela liberdade e pela emancipação renderá frutos senão se parte desses espaços e da autoderterminação dos subalternos.
Nenhuma política alternativa para superar o capitalismo será possível se não mudarmos a nós mesmos para mudar o mundo, senão surgem coletividades e uma humanidade distinta, digna e autônoma, de forma simultânea ao processo de antagonismo e luta, coincidindo com a abordagem que fez Raquel Gutiérrez em vários de seus trabalhos. Como jovens em resistência alternativa optamos pelos experimentos sociais a partir de abaixo; preferimos agir diretamente, aqui e agora com os subalternos, até mesmo em suas derrotas. Isso nos leva à última razão pelas autonomias e é a importância dessas experiências sociais a partir de abaixo que se constróem por toda a órbita e com especial profundidade e radicalidade na América Latina. Estas experiências, assediadas, contraditórias, presas da repressão ou da cooptação não somente são a possibilidade de fazer uma política autônoma mas também de ter uma estratégia de luta social alternativa à dominante.
Essas táticas pré-figurativas, embrionárias, incipientes, são quiçá, as peças soltas de um quebra-cabeça disseminadas or toda a órbita para superar o capitalismo. As práticas autônomas, de autoregulação e autodeterminação desde abaixo são, quicá, as conexões para tecer um entremeado social póscapitalista. Cada segmento, isoladamente parece apenas uma alternativa local, focalizada; mas se eles se reúnem, podem ser um sistema alternativo democrático de gestão coletiva, de cadeias de produção, criação e autogestão da vida e de mecanismos organizados de gestão dos bens comuns. Assinalam desde suas particularidades um programa de programas, um sistema de alternativas. Todos essas práticas entrelaçacadas indicam possivelmente, a forma, funcionamento, organização, mecanismos, dispositivos e modos de relação social de um possível sistema póscapitalista.
Essas autonomias são prefigurativas: vislumbram e praticam hoje, as formas que substituirão às relações de dominação e exploração. Criticam a estratégia de mudança social adiada para amanhã – depois da tomada de poder – e radicaliza a estratégia de REVOLUÇÃO HOJE, considerando que desde agora funcionam e podem operar relações humanas alternativas fora da lógica estatal e do capital, formas que prefiguram a partir de agora, um outro mundo. Estas autonomias são o nosso horizonte emancipatório: que permitem discutir e imaginar a partir das práticas e potências existentes hoje, uma mudança radical nas formas de produção, utilização, distribuição e consumo, e também uma mudança radical das formas de tomada de decisões sobre o comum. Que permite visualizar um mundo de redes, de coletividades autoreguladas, um tecido de auto-determinações, federações de autonomias livres do capital, em relação simbiótica com o mundo não-humano, mas também livre das formas de dominação, opressão, centralização, homogeneização e monopolização estatal.
Argumenta-se que mais além das posições sobre os ritmos, as situações, as características e diversidades das formas de mudança social, estes experimentos de reorganização social devem ser construídas, multiplicadas, fortalecerem-se e entrelaçarem-se antes da tomada do poder, seja através da via insurrecional ou eleitoral e devm ser a base de uma gestão coletiva alterna generalizada, se assumiu o poder ou não. Em suma, a autonomia como forma de fazer política, como uma estratégia de luta e como horizonte emancipatório são três coordenadas da nossa própria definição de fazer política. Por estas três intuições e definições surgiu o PENSAR AS AUTONOMIAS. Porque temos mais dúvidas e perguntas do que certezas. Temos muitíssimas perguntas sobre esses processos sociais chamados autonomia. Como fazer para que perdurem? Como fazer para que cresçam? Como fazer para que não desapareçam e se desintegrem frente à erosão do mercado? Como fazer para que sobrevivam contra o controle, cooptação, repressão do Estado? Como nos certificar que não sejam experiências focalizadas e sim alternativas generalizadas? Como enfrentar suas contradições e seus limites? Como articulá-las entre si? Como lutar desde abaixo, desde o local e o diverso e o múltiplo contra as reformas centrais, hegemônicas, dominantes do estado e do capital? Resolver essses nós e muito mais (como os denomina Ana Esther Ceceña em seu trabalho) é um tarefa titânica.
PENSAR AS AUTONOMIAS é somente uma pequena e modesta contribuição baseada em três eixos de novas perguntas: o que pensaram os teóricos e as lutas sociais sobre a autonomia como potência, possibilidade e horizonte emancipatório no passado? O que está se refletindo hoje sobre os limites e contradições dessas autonomias em funcionamento? O que está sendo elaborado e refletindo sobre as possíveis saídas ao capitalismo? Para nós, mulheres e homens, as autonomias são somente uma possibilidade, aberta. Uma potẽncia para construir um mundo outro, esse que dizemos que é possível. Pensar as autonomias ansceu para nos enchermos de possibilidades, de potências, de alternativas e em especial de novas perguntas. A luta pela liberdade e a emancipação estará sempre cheia delas. Pensar as autonomias é somente uma caixa de ferramentas para pensar esse mundo outro, por ele que lutamos, aqui, agora, sempre. Muito obrigada jovens em resistênbcia alternativa. Maio de 2011
De: Radio Chimia / Que não se pare a onda, que não se cale a rua!!!
Compilação de textos que circularam na Internet desde o dia da ocupação. relato sobre a residência Baobá Voador em Articultores -> http://baobavoador.noblogs.org/post/2011/05/12/dialogo-sobre-os-sistemas-do-mundo-articultores-buenos-aires/