Nos últimos meses de 2022, um debate econômico-ambiental esteve no centro das preocupações das principais entidades e países do mundo: a mineração marinha. Enquanto centenas de organizações -e também nações desenvolvidas- apelam contra a exploração de metais em alto mar pelas consequências ambientais, as mesmas ainda não foram completamente calculadas e a indústria vê nos oceanos uma das últimas saídas para a própria existência de alguns setores.
O complexo tema envolve ainda uma contradição interna: os mesmos compostos buscados nos fundos dos oceanos, com possíveis repercussões irreparáveis no meio ambiente, são fontes para energias como a eólica e a fotovoltaica e, no caso das indústrias automobilísticas, para a produção de baterias de carros elétricos. Ou seja, o objetivo na outra ponta seria o de atender às próprias demandas do planeta por menores impactos ambientais.
E apesar de não ser recente, a discussão tem uma urgência, que foi levantada em plena COP27, no Egito, em novembro passado, pelo presidente francês Emmanuel Macron, na mesma semana em que ocorria mais uma reunião do conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). O organismo da ONU foi criado nos anos 90 para regulamentar e determinar regras para as atividades no fundo do mar que não estejam sob juridições de países.
Naquele mês, na reunião da ISA na Jamaica, colocou-se à mesa a petição não só da França, mas também da Alemanha, Espanha, Chile, Costa Rica, Nova Zelândia e outros países, que pediram uma moratória, um “tempo”, para impedir qualquer tipo de exploração de minérios em alto mar enquanto não houver pesquisas científicas suficientes sobre os seus impactos.
“À medida que os efeitos das alterações climáticas se tornam cada vez mais ameaçadores e a erosão da biodiversidade continua a acelerar, hoje não parece razoável lançar às pressas um novo projeto, o da mineração do fundo do mar, cujos impactos ambientais ainda não são conhecidos e podem ser significativo para esses ecossistemas antigos que têm um equilíbrio muito delicado”, disse na ocasião o embaixador francês, Olivier Guyonvarch.
E a urgência se deve a um pequeno país-ilha na Oceania, Nauru, de 11 mil habitantes, que tem como quase única atividade econômica a mineração e a exportação do fosfato. Com os recursos minerais quase esgotados, o país patrocinou uma startup canadense, a The Metals Company, para iniciar testes no fundo do mar e, para isso, pediu uma licença de exploração da ISA. A autorização de testes já foi concedida.
Mas a nação insular quer começar as operações ainda neste ou, o mais tardar, no próximo ano. Se autorizada, a licença
lançará a indústria de mineração marinha oficialmente no planeta.
Entendendo a mineração marinha
Em entrevista ao GGN, o professor do Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar), Cláudio Gonçalves Tiago, explica que há uma diversidade de minerações marinhas em grande escala, que envolve desde a extração de petróleo, rodolitos e metais. Um desses alvos são os rodolitos como matéria-prima na produção de fertilizantes, tema que, segundo ele, vem sendo debatido há mais de 40 anos. “O rodolito é uma formação mineral que tem uma origem biogênica, quer dizer, é um organismo vivo. O grande problema, neste caso específico, é que não estamos minerando minerais, estamos minerando comunidades biológicas.”
O mesmo efeito foi constatado na extração de petróleo em regiões amazônicas, onde posteriormente se descobriu uma grande zona de recifes de corais e de rodolitos. “A maneira de extração não é descendo no fundo [das águas] e pegando os pedacinhos [de minerais], é passando uma draga e levando tudo junto e há uma série de animais e vidas. É um processo com um poder de destruição muito grande”, relatou.
Mas a atual ‘corrida do ouro’ nos mares são os nódulos de manganês, também chamados de nódulos ou crostas polimetálicos, ricos em cobalto, cobre e níquel – metais essenciais para a produção de baterias de eletrônicos a carros elétricos, componentes de paineis solares e da indústria eólica, entre outros.
O ‘ouro’ dos oceanos
Metais que estão em escassez terrestre e alta demanda das indústrias – principalmente as “limpas” – são encontrados com abundância nestes sólidos a 3.000 até 6.000 mil metros nas profundezas dos oceanos.
Além da quantidade, estes nódulos são ricos em terras raras – o produto final utilizado pelas indústrias, ou seja, os metais contidos neles são mais puros, sem exigir tantos processos metalúrgicos e químicos após a extração, como demanda a mineração tradicional, do solo. O geofísico marinho Luigi Jovane, do Instituto Oceanografico da USP (IOUSP), explica ao GGN que na mineração do solo, por necessitar diversos processos metalúrgicos e químicos, há muito descarte e “para se produzir um quilo de terras raras tem um impacto gigantesco no ambiente”, além de se obter um produto final de qualidade inferior.
“Existem outras fontes de terras raras. Primeiramente, as minas de ferro e de outros metais, que claramente têm vários materiais e produtos de descarte, ou seja, são subprodutos. Então, a parte metalúrgica, a extração desses metais raros dentro desses materiais de outra mineração é muito caro. A elaboração, tanto química, quanto metalúrgica é caríssima e com um impacto ambiental terrível.” Já as crostas polimetálicas encontradas no mar formam-se ao longo de milhões de anos e, por isso, esse “tempo de formação permite que elas sejam concentradas, ricas de terras raras”, disse Jovane.
As empresas que já desenvolveram equipamentos capazes de coletar os nódulos polimetálicos alegam que essa extração é mais sustentável e de menor impacto do que a mineração tradicional. “O grande problema é que o fundo do mar não é um deserto, ao contrário, o fundo do mar é inteiro vivo”, lembrou Cláudio Gonçalves.
“Para retirar polimetálicos usa-se uma estrutura como se fosse uma caixa que vaza a água, para subir das profundezas somente a parte sólida. Mas a hora que [a máquina] passa no fundo do oceano e sem olhar, se está levando tudo junto. A destruição ambiental de onde isso for feito vai ser praticamente total”, acrescentou o biólogo da USP.
Com essa preocupação é que organizações ambientais e os principais institutos de pesquisa do país estão desenvolvendo investigações, com a divulgação de relatórios, e produzindo campanhas para a conscientização desses impactos.
As campanhas que rechaçam a mineração marinha
Poucos dias após as falas de Macron na COP27 e da reunião do conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), um grupo de ativistas do Greenpeace foi de caiaque confrontar um navio de mineração em alto mar, na costa de Manzanillo, no México, quando retornava ao porto.
Com faixas pedindo o fim da mineração no oceano, os ativistas protestavam contra o navio Hidden Gem, da canadense The Metals Company, que em teste de 8 semanas autorizado pelo organismo da ONU, havia conseguido extrair cerca de 4.500 toneladas de nódulos polimetálicos.
“Estamos aqui hoje porque a mineração em alto mar ameaça a saúde do oceano e as vidas e meios de subsistência de todos que dependem dele”, dizia o ativista do Greenpeace, James Hita.
A entidade é uma das centenas que lideram campanhas, manifestos e pesquisas pelo mundo na temática. Um deles, que coletou mais de 4 milhões de assinaturas, exige um Tratado Global a proteção dos oceanos.
Junto à Universidade de Oxford e a Universidade York, a mesma organização lançou, em 2019, o relatório “30 em 30 – Um caminho para a proteção dos oceanos“, que propõe a criação de “santuários oceânicos” para a preservação de 30% dos oceanos, longe de atividades como a mineração.
Em 2021, pesquisadores do Greenpeace também se somaram a cientistas da Nova Zelândia e da Universidade de Exeter, no Reino Unido, para expor em artigo científico a conclusão de que, “uma vez iniciada, a mineração em alto mar provavelmente será impossível de parar, e uma vez perdida, a biodiversidade será impossível de restaurar.”
O assunto já se tornou suficiente para reunir centenas de entidades em grupos e coalizões, com pesquisadores de todo o mundo, na causa, como a Deep Sea Conservation Coalition (DSCC), de mais de 100 organizações internacionais que atuam para promover a conservação da biodiversidade em alto mar; a Deep-Sea Mining Science Statement, uma declaração assinada por mais de 704 especialistas marinhos pedindo moratória na mineração do oceano, e a Aliança de Alto Mar (HSA), coalizão de 27 entidades, entre elas, a The Pew Charitable Trusts, que produziu dezenas de pesquisas na matéria.
O que revelam as pesquisas
Nos resultados científicos, o renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos EUA, investiu em pesquisas a 4.500 metros nas profundezas do oceano para entender o impacto ambiental da mineração em alto mar.
E concluiu que as plumas de sedimentos indesejados, que deixam a água do mar turva com o maquinário da mineração e o depósito de rejeitos, se espalhariam por até 1.400 quilômetros, propagando os impactos em milhares de colônias de espécies marítimas mesmo muito distantes do local de extração do minério.
Outro projeto europeu, com pesquisadores da Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia, Suécia e da própria Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, também detectou consequências dessas plumas de sedimentos.
Concluíram que a mineração profunda gera “uma densa pluma de material suspenso, entre 5 a 10 metros acima do fundo do mar” e quando a máquina devolve os rejeitos inúteis, verifica-se que o material fica suspenso “visualmente 500 metros acima”. O documento https://miningimpact.geomar.de/documents/1082101/1463518/MI2_Feb2022_MH_SE.pdf/84066dac-13f8-4c63-ba94-aa6d1bc3e3cf ainda comprovou que a tecnologia existente para monitorar essa extração não está presente e padronizada em toda a indústria de mineração. Por fim, os pesquisadores admitiram que “os impactos das perturbações experimentais no fundo do mar em pequena escala no habitat dos nódulos duram muitas décadas e afetaram numerosos ecossistemas.”
Entretanto, ainda que já confirmados, como a mineração em alto mar ainda está em fase de testes, não se pôde obter, até hoje, dados mais específicos destes impactos.
“Do ponto de vista ambiental, se sabe muito, muito pouco”, lembrou Luigi Jovane, que é também cientista do International Ocean Discovery Program (IODP) e liderou um amplo projeto, o Marine E-Tech, com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, para confirmar a concentração dos metais no oceano Atlântico.
“Há pouquíssimo conhecimento sobre o assunto, não se sabe como vai ser o reequilíbrio da vida bentônica, dos organismos do fundo do mar, das massas de água se vão ser impactadas, tanto na turbidez, porque claramente, tirando o material, se levanta materiais que vão ficar na coluna da água, e também no oxigênio e em outros componentes físicos e bioquímicos do fundo do mar, que vão ser afetados.”
Em abril do ano passado, a revista científica Marine Policy fez um levantamento sobre todas as pesquisas atuais e afirmou ser necessário, ao menos, “uma década de mais pesquisas” para “permitir a tomada de decisões bem informadas sobre mineração em alto mar”. A mineração marinha, acrescentou o geofísico, “pode ter consequências gigantescas na fertilidade e também no componente de equilíbrio de oxigênio, temperatura e sequestro de carbono por parte do mar em outras partes do mundo”.
É com este mote que a WWF (World Wildlife Fund) logrou, em março de 2021, que grandes multinacionais da indústria assinassem um compromisso de não usar da mineração no oceano. Gigantes montadoras e de tecnologia – BMW, Volto, Volkswagen, Renault, Scania, Rivian, Samsung e Google, absteram-se de “usar recursos minerais do mar profundo em suas cadeias de suprimentos e não financiar atividades de mineração em alto mar”.
Com as incertezas versus a urgência pela obtenção de minerais para as indústrias, a moratória adotada por estas empresas e apelada também pelos países na COP27 tem sido a única atual barreira para o avanço da atividade, cujos impactos ainda são numericamente indefinidos.