Pesquisa maravilhosa e vital de Vinícius Venancio @venanciovinii
A proposta de ementa que compartilho com vocês faz parte de um projeto que venho construindo para ofertar um curso dando conta de antropólogas/os negras/os no período clássico da nossa disciplina.
The world is not white. It can’t be. Whiteness is just a metaphor for power.
James Baldwin
Tribos, selvagens, primitivos, ágrafos, promíscuos. Esses foram termos utilizados para designar povos não-brancos pelos antropólogos por um longo período de tempo. A disciplina, que por muito assumiu (se é que podemos falar no passado) uma postura colonial, tem a sua história imbrincada em práticas de dominação, eugenia e discriminação das populações não-brancas. Como reflexo dessa postura, a Antropologia se construiu silenciando vozes dissidentes, elegendo como seus cânones homens brancos nascidos e criados no mundo euro-estadunidense, o que levou a muitos antropólogos a afirmarem assertivamente que “os outros” só existiram na história da disciplina enquanto “objetos” de pesquisa.
A fim de romper com velhos discursos vazios que afirmam que “criticar os evolucionistas é anacronia” ou mesmo que “não haviam negros antropólogos”, esse curso se constituiu para preencher a lacuna criada nos cursos de história e teoria antropológicas, trazendo para cena antropólogas e antropólogos negros da África e Américas, cujas produções foram realizadas entre o final do século XIX até finais do século XX.
Cronograma:
Prólogo — Apresentações diversas
Aula 1: Apresentação do programa, da dinâmica do curso, das alunas e do professor.
Adichie, Chimamanda. O perigo de uma história única. TED, 2014. 20 min. (Vídeo).
Referências complementares:
Calvino, Italo. 1994. “Por que ler os clássicos”. In: Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras.
Teixeira, Carla C.; Pedreira, Carolina. 2007. “Por que ler (esses) clássicos?” (mimeo).
Aula 2: Quem pode falar?
Carneiro, Aparecida Sueli. “Do epistemicídio”. In: A construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser. Tese. Doutorado em Educação. Feusp, 2005. pp. 96–124.
Hurston, Zora Neale. [1950] “O que os editores brancos não publicarão (Tradução)/ Zora Hurston e as luzes negras das Ciências Sociais” (texto de apresentação — Messias Basques). Ayé: Revista de Antropologia, n.1, v.1, p. 102–111, 2019.
Kilomba, Grada. Quem pode falar? Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora Cobogó, 2020.
Aula 3: Contrapontos anticoloniais
Du Bois, W. E. B. Do nosso esforço espiritual. In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Ed.). Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Edições 70, 2011.
Senghor, Léopold Sédar. O Contributo do homem negro. In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Ed.). Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Edições 70, 2011. p.73–92.
Césaire, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Sáda Costa Editora: Lisboa,1978.
Santos, Antonio Bispo. 2015. Colonização, Quilombos. Modos e Significações. Brasília: Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa.
Parte I — Elegendo novos cânones
Aula 4: Um outro pai da Antropologia (Ou do porquê criticar os evolucionistas não é anacronia)
Firmin, Anténor. De l’égalité des races humaines: anthropologie positive. Collection XIX, 2016. (há tradução para o espanhol e inglês).
Referências complementares:
Fluehr-lobban, Carolyn. Anténor Firmin: o haitiano pioneiro da antropologia. In: American Anthropologist, vol. 102, n. 3, 2000, pp. 449–466. Tradução de Ellis Aguiar, mimeo.
Aula 5: Desestabilizando o Ocidente — Enegrecendo o Egito
Diop, Cheikh Anta. The African origin of civilization: Myth or reality. Chicago Review Press, 1989.
Referência audiovisual complementar:
Filme: Ousmane William Mbaye, director. Kemtiyu, Cheikh Anta Diop. 2016. 94 minutes.
Aula 6: Outros estrutural-funcionalismos (nem tão) britânicos — um presidente-antropólogo
Kenyatta, Jomo. 1938 [1968]. Facing Mount Kenya: The tribal life of the Gikurju. London: M Secker & Warburg.
Aula 7: Uma crítica (sul) africana
Mafeje, Archie. The ideology of “Tribalism”. The Journal of Modern African Studies, v. 9, n. 2, p. 253- 261, 1971. Disponível em português. Mimeo.
Mafeje, Archie. A commentary on anthropology and Africa. Codesria Bulletin, n° 3–4, 2008, pp.88–94.
Mafeje, Archie. The theory and ethnography of african social formations. The case of the interlacustrine kingdoms. London: Codesria book Series. 1991.
Referências complementares:
Mafeje, Archie & WILSON, Monica. Langa: a study of social groups in an African Township. London: Oxford University Press, 1963.
Borges, A.; Costa, A. C.; Couto, G. B.; Cirne, M.; Lima, N. A. E.; Viana, T.; Paterniani, S. Z. Pós-Antropologia: as críticas de Archie Mafeje ao conceito de alteridade e sua proposta de uma ontologia combativa. Sociedade e Estado, v. 30, p. 347–369, 2015.
Aula 8: Um olhar para a América Central I — A aluna de Boas
Hurston, Zora Neale. Tell My Horse: Voodoo and Life in Haiti and Jamaica. New York: HarperPerennial, [1938] 1990.
Referências complementares:
Hurston, Zora Neale. Mules and Men. New York: HarperPerennial, [1935] 1990.
Hurston, Zora Neale. Dust Tracks on a Road: An Autobiography. New York: Harper Collins, 2010.
Hurston, Zora Neale. Barracoon: the story of the last “Black Cargo”. Editado por Deborah Plant. New York: Amistad, 2018, 290 p. (Ebook Kindle)
Hurston, Zora Neale. The ‘Pet Negro’ System. American Mercury, n° 56, 1943, pp. 593–600.
Aula 9: Um olhar para a América Central II — Dançando pelas Américas
Dunham, K. Dances of Haiti. Los Angeles: University of California, 1983.
Referências complementares:
Burt, R. Katherine Dunham e Maya Deren sobre ritual, modernidade e diáspora africana. ARJ — Art Research Journal, v. 3, n. 2, p. 44–51, 18 dez. 2016.
Dunham, Katherine. Excerpts From the Dances of Haiti. Journal of Black Studies, Vol. 15, №4, African and African-American Dance, Music, and Theatre (Jun., 1985), pp. 357–379.
Parte II — O pensamento antropológico afro-brasileiro
Aula 10: Os pioneiros da Antropologia Brasileira
Querino, Manuel Raimundo. O colono preto como fator da civilização brasileira. Afro-Ásia, n.13, 1980 (1918).
Moreira, Juliano. A luta contra as degenerações nervosas e mentais no Brasil (comunicação apresentada no Congresso Nacional dos Práticos). Brasil Médico 1922; II:225–6.
Moreira, Juliano. Notícia sobre a evolução da assistência a alienados no Brasil (1905b). Arq Bras Neuri Psiquiatr 1955; edição especial.
Carneiro, Edison. O negro como objeto de ciência. Afro-Ásia, 6–7, 1968, pp.91–100.
Referências complementares:
Oda, Ana Maria Galdini Raimundo; Dalgalarrondo, Paulo. Juliano Moreira: um psiquiatra negro frente ao racismo científico. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 22, n. 4, p. 178–179, 2000.
Rossi, Gustavo. Uma família de cultura: os Souza Carneiro na Salvador de inícios do século XX. Lua Nova, 2012, n.85, pp.81–131.
Rossi, Gustavo. O intelectual “feiticeiro”: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Tese de Doutorado em Antropologia Social, UNICAMP, 2011.
Aula 11: Democracia racial onde? A Améfrica Ladina de Lélia Gonzalez
Gonzalez, Lélia. Por um feminismo afrolatinoamericano. In: Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino n.1, 2011.
Gonzalez, Lélia. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, pp. 223–244.
Ratts, Alex; Rios, Flavia. Lélia Gonzalez. São Paulo: Selo Negro, 2010. (selecionar trechos).
Aula 12: Rediscutindo a mestiçagem no Brasil
Munanga, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999.
Leituras complementares:
Dos Anjos, José Carlos Gomes. “A variação ontológica de raça na modernidade: Brasil e Cabo Verde”. Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 49, p. 20–25, 2013.
Aulas 13 e 14: O corpo negro em campo
Albuquerque, Fabiane Cristina. Meu corpo em campo: reflexões e desafios no trabalho etnográfico com imigrantes na Itália. Cadernos de Campo (São Paulo 1991), v. 26, n. 1, p. 309–326, 2017.
Castro, Rosana. Pele negra, jalecos brancos: reflexões sobre racismo, (cor)po e (est)ética no trabalho de campo antropológico. 2019. (Apresentação de Trabalho).
Domingues, Bruno Rodrigo Carvalho. Negro na universidade, branco no trabalho de campo. Cadernos de Campo (São Paulo 1991), v. 27, n. 1, p. 295–309, 2018.
Medeiros, Flavia. Adversidades e lugares de fala na produção do conhecimento etnográfico com policiais civis. Cadernos de Campo (São Paulo 1991), v. 26, n. 1, p. 327–347, 2017.
Pereira, L. N. N.. Identidades racial e religiosa em Angola e no Brasil: reflexões a partir da experiência em campo em Luanda. In: Iracema Dulley; Marta Jardim. (Org.). Antropologia em Trânsito: reflexões sobre deslocamento e comparação. 1ed.São Paulo: Annablume, 2013, v. 1, p. 55–85.
Rodrigues Junior, Gilson José. Sobre o corpo racializado em campo: masculinidades negras e suas implicações para o trabalho de campo antropológico. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 11, n. 30, nov. 2019.
Rolande, Josinelma F.. Um corpo no mundo, na Cabana dos Pretos Velhos. 2019. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).
Conclusão — Amarrando algumas ideias
Aula 15: Antropologia e(é) supremacia branca(?)
M Beliso‐De Jesús, Aisha; Pierre, Jemima. Anthropology of White Supremacy. American Anthropologist, Vol. 122, №1, pp. 65–75, 2020.
Pinho, Osmundo; Figueiredo, Ângela. Ideias fora do lugar e o lugar do negro nas ciências sociais brasileiras. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v.24, n.1, p.189–210, 2002.
Pinho, Osmundo. A antropologia no espelho da raça. Novos Olhares Sociais, V. 2, N. 1, P. 99–118, 2019.
Leituras complementares:
Ani, Marimba. Yurugu: An African-centered critique of European cultural thought and behavior. Africa World Press, 1994.
Harrison, Faye V. Decolonizing anthropology: Moving further toward an anthropology for liberation. American Anthropological Association, 2011.
Harrison, I.; Harrison, F. (eds.). African-American Pioneers in Anthropology. Chicago: University of Illinois Press, 1999.
Honwana, Alcinda Manuel. The time of youth: Work, social change, and politics in Africa. Sterling, VA: Kumarian Press, 2012.
Honwana, Alcinda. Juventude, waithood e protestos sociais em África. Desafios para Moçambique, p. 399–412, 2014.
Honwana, Alcinda Manuel. Espíritos vivos, tradições modernas: possessão de espíritos e reintegração social pós-guerra no sul de Moçambique. Ela por Ela, 2002.
Mullings, Leith. “Interrogando el racismo. Hacia una Antropología antirracista”. Em: Revista CS (Trayectorias afrodescendentes: tendencias y perspectivas), vol 12, 2013. Pg. 325–374.
Munanga, Kabengele. Os basanga de Shaba: um grupo étnico do Zaire: ensaio de antropologia geral. FFLCH-USP, 1986.
Munanga, Kabengele. 100 anos e mais de bibliografia sobre o negro no Brasil: obra revisada, corrigida e ampliada. São Paulo: Fundação Cultural Palmares/USP, 2003.
Nascimento, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva. 2016.
Price, R.; Price, S. The Root of Roots: Or, How Afro-American Anthropology Got Its Start. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003.
Ntarangwi, Mwenda; Mills, David; Babiker, Mustafa (Ed.). African Anthropologies: history, critique and practice. Zed Books, 2006.
Viveros, Mara. As cores da masculinidade. Experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América (Trad. Allyson de Andrade Perez). Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2018.