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Decrescimento: escolha ou inevitabilidade?

Surgiu este verão a formação de uma futura Rede do Decrescimento em Portugal, animada pela passagem em Julho, no Porto, de Miguel Anxo Abraira e Iolanda Teijeiro Rey da Rede do Decrescimento da Galiza. Duas sessões, moderadas por Jorge Leandro Rosa e Álvaro Fonseca, foram atendidas por uma centena de pessoas nos espaços do Gato Vadio e Gazua. As conversas lançaram o convite à participação no 1º Congresso do Decrescimento da Galiza, que terá lugar em Ferrol, nos dias 6 e 7 de Outubro.

Não será de todo fácil acolher simpatia imediata proclamando a palavra decrescimento. Decrescimento, como referia o convite das sessões no Porto, «contrasta com a religião laica do crescimento diariamente praticada pelo Estado e pelos meios de comunicação». Um dia depois de Obama ter estado nessa cidade a falar às elites sobre o caminho do capitalismo verde para que a senda do lucro não pare de crescer, as sessões sobre o decrescimento – desta feita abertas ao público, mas sem cobertura mediática – alertavam para tamanha e suicida ilusão.

Porém não é de todo difícil explicar a inversão desse verbo, face à percepção global «que o nosso modo de vida sofrerá muito em breve grandes transformações». E que «são ainda possíveis mudanças que não nos sejam impostas». Por entre o cenário dantesco, sobretudo manifesto nas alterações climáticas resultantes do modelo energético da nossa sociedade industrial, há um apelo a «mudanças onde a simplificação da vida em todos os domínios acompanhe o progresso geral da equidade», como se lê no primeiro comunicado da Rede do Decrescimento em Portugal. Uma Rede que se assume ainda inexistente dado que terá de resultar de um processo participado.

Não parece haver lugar nesta Rede ao desânimo. Antes pelo contrário: «É possível sair da economia do desperdício sem desperdiçar vidas. É possível sobreviver à mudança climática se deixarmos para trás a agropecuária industrial, as viagens aéreas a qualquer pretexto, o culto do automóvel, o comércio intensivo a longa distância, o mito das soluções high-tech… Estes apenas alguns exemplos da droga dura mais perigosa e difundida do nosso tempo: o crescimento. Para isso precisaremos de nos reunir em modos de vida mais locais e comunitários, precisamos de sair da dicotomia entre cidade e campo, precisamos de discutir e aprender a sobrevivência nas condições crescentemente adversas que aí vêm.»

Tal como apontado desde o pensamento de Ivan Illich nos anos 1970 até à difusão da teoria do Descrescimento com Serge Latouche, neste século, há um facto que hoje já ninguém consegue negar, embora escamoteado no malabarismo de esquerda e direita: «a aceleração da degradação do ambiente é acompanhada por “medidas” que são ineficazes porque se recusam a tocar no produtivismo». O vivo debate que esta crítica suscita, como patente nas sessões do Porto, quer agora alargar-se numa Rede que afirma querer «ser um espaço de apoio mútuo, uma rede de partilhas e um vislumbre das formas como poderemos construir as experiências de resiliência futuras.»

No dia 5 de Outubro, véspera do início do Congresso do Decrescimento, haverá lugar em Ferrol a uma reunião Galiza-Portugal onde serão lançadas as bases de uma cooperação entre os movimentos decrescentistas dos dois lados de uma mesma bio-região, favorecendo a entreajuda e a cooperação, dimensões basilares do decrescimento.
Antes, a 14 e 15 de Setembro, o Congresso apresenta-se em Lisboa no espaço Gaia e no ISCTE. Prossegue ainda nesse mês, em Lisboa, na Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, o ciclo «Outra sociedade – à volta das ideias de Ivan Illich», que revisita a sua crítica radical das sociedades industriais da segunda metade do século XX. A fechar esse ciclo tem lugar no sábado 29 de Setembro um debate sobre o modo de desenvolvimento das sociedades industriais e a ideia de decrescimento.

«Ao longo dos anos, disseram-nos que vivíamos numa sociedade miraculosa, onde o crescimento tudo assegurava: o bem-estar e a igualdade de oportunidades, a democracia e a sociedade de consumo para todos. A nenhum de nós escapa que tudo isso está na iminência de se perder, embora os sacerdotes do “Crescimento” continuem a invocar os mesmos deuses. E como acontece com as divindades que já não parecem capazes de operar prodígios, estas começam a pedir-nos sacrifícios, enquanto tudo se torna mais caótico, mais imprevisível e presa de novos “homens fortes”.
Podemos contrariar o enlouquecimento geral trazido pelo fim iminente da “sociedade de crescimento” que as fontes energéticas fósseis instalaram e agora já não podem assegurar. Podemos ainda travar a destruição, hoje extrema, dos ecossistemas de que os humanos dependem. Podemos criar alternativas à entrada da sociedade na desigualdade nunca antes vista, nos autoritarismo e nacionalismo crescentes, na xenofobia, na guerra e no fascismo tecnológico. E, mudando de rumo, podemos construir vidas felizes mesmo sabendo que os recursos disponíveis serão menos abundantes a breve prazo.»

Rede de Decrescimento em Portugal | encontrodecrescimento@gmail.com

Por Filipe Nunes
filipenunes@jornalmapa.pt

Decrescimento: escolha ou inevitabilidade?

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