Em jeito de conclusão do fim-de-semana de encontros e organização à volta das eleições presidenciais [28-29 de Janeiro], o seguinte texto foi lido e proposto à assembleia. O seu objetivo era o de resumir de uma certa maneira as diferentes discussões e posições mantidas, relembrando também as datas que foram evocadas.
Nenhuma das formações políticas participantes na corrida eleitoral pode incarnar a força múltipla que foi reconhecida na frente das manifestações e outras formas de extravasamento da luta da última Primavera, assim como os milhares de indivíduos que não cessam de existir num desenrasque cotidiano.
Nós somos aqueles e aquelas, todxs aqueles e aquelas, que não suportamos mais ser cúmplices das políticas de guerra exterior e interior levadas a cabo pelos poderes ocidentais. Queremos hoje tornar impossível a quem quer que seja de pretender levar a cabo a guerra, separar as populações, dominar e explorar sociedades inteiras em nome da luta anti-terrorista, em nome da nossa segurança. Assim, posicionamo-nos no despertar do conjunto de revoltas e levantamentos que fissuraram a ordem do mundo desde 2011, das primaveras árabes às ocupações de sítios e territórios como a ZAD ou o Val de Suza.
Na França, as lutas dos últimos anos criaram a possibilidade de zonas fora-da-lei retomadas das mãos do Estado e da valorização capitalista onde outras maneiras de viver e organizar-se experimentam-se em pleno dia e a escalas cada vez mais importantes. Estamos convencidxs de que andar adiante depois das revoltas da Primavera e do Verão começa por reforçar e multiplicar estas zonas fora-de-controlo como tantos outros meios de reforçar a nossa ingovernabilidade. Aparte destas zonas agora visíveis, um conjunto de gestos foram nestes últimos tempos multiplicados: os múltiplos gestos de solidariedade juntamente aos e às migrantes, as cantinas populares, os grupos de trabalho que em todo o lado procuram dar seguimento ao espírito do movimento, as rádios locais, os lugares ocupados, os colectivos de defesa, os comités contra o estado de emergência, contra as violências policiais, contra as opressões…
Estamos determinadxs em fazer consistir todos estes gestos dispersos num movimento a nível nacional. Um movimento que remete os prazos eleitorais aquilo que eles são: uma manobra de diversão. A janela do prazo das presidenciais é paradoxalmente a ocasião de um aumento em potência. Não apelamos simplesmente a abster-se de votar. Queremos manifestar publicamente a realidade de uma outra maneira de existir [politicamente]* que não será desarmada na noite da segunda volta eleitoral.
Fazemos apelo à diversidade das componentes que se reconhecem nestas constatações mínimas a juntar-se durante uma série de datas nacionais daqui às eleições presidenciais e a multiplicar desde hoje as iniciativas descentralizadas. Que o conjunto dos lugares e colectivos que querem ver surgir um tal movimento manifestem-se publicamente como tantas bases de apoio materiais [e políticas]*.
Datas
– 18 fevereiro manifestação em apoio à ocupação da floresta de Lejuc [luta contra o aterro nuclear de Bure];
– Semana de resistência em Nantes do 20 ao 26 de fevereiro e fim-de-semana de acção contra o Frente Nacional [partido nacionalista à frente nas sondagens];
– 28 fevereiro carnaval em Montpellier;
– 19 março em Paris, manifestação pela justiça e a dignidade, iniciativa das famílias das víctimas da polícia;
– No primeiro de abril, na noite da primeira volta eleitoral e no primeiro de maio, apelo a organizar em todo o lado iniciativas locais contra as eleições.
Convidamos-vos a comunicar-nos por mail (generation.ingouvernable[at]riseup.net) o conjunto das datas e sítios que se inscrevem na iniciativa apresentada pelo texto. Retransmitiremos as informações e uma cartografia será em breve disponível num site web.
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*NDT.: Considero que a noção de “política” possa excluir certxs compas e sobre-beneficiar uns tantxs outrxs.
Contextualização
A tradução deste texto foi feita não só com o propósito de inspirar ideias para futuras eleições, tanto em portugal (num dia que as nuvens voltem ao céu do paraíso da paz social), como na frança (durante o conflito social de que padece neste momento), ou seja aí donde estivermos, como também para alimentar a difusão desta iniciativa em concreto através de uma das comunidades migrantes mais pacificadas, (voluntariamente) escravizadas e numerosas da frança (à volta de 2 milhões e meio, só de primeira e segunda geração). O objectivo imediato é, tanto aqui como lá, alimentar uma intervenção revolucionária tanto por parte dxs migrantes tugas como da hipotética comunidade não integrada que chamamos a abster-se de votar, e não só.
Enquanto o turismo e xs escravxs retornadxs trazem cada vez mais potenciais eleitorxs do estado francês à westcoast ibérica, uma intervenção o mais impertinente possível é-nos mais que nunca pertinente.
Quatro gerações de escravxs não podem sair grátis. A ideia não é a de consciencializar, iluminar, as massas exploradas, a ideia é de intervir começando a criar o cenário de que até x historicamente mais absorvidx pelo trabalho mais degradante possa começar a tomar parte na luta contra o a sua condição conformada, contra o seu trabalho, o trabalho em geral e, por fim, esta sociedade, quando assim o desejar.
Criar precedentes para o fim de uma voluntária condição contra-revolucionária é necessário em todo o lado.
Ou senão deixemos o Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e xs aliadxs da esquerda institucional continuarem a instalar as condições de uma miséria permanentemente aceitável.
“- Qual é a árvore que dá portugueses?
– O andaime.”
“– O que é que faz uma portuguesa na universidade?
– A limpeza.”
“– Como se determina o futuro emprego de um bébé português?
– Lança-o contra um muro, se ficar colado será estucador, se cai será telhador.”
Provérbios algo cómicos sobre a condição dx trabalhador/a português/a na sociedade capitalista francesa.
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“O trabalho co caralho, já ‘tava farto desta merda ! Pena é a puta da perna tar empenada pró resto da vida, ò menos o seguro pagam-ma, mas se soubesse… um par de lambadas no patrão caralho! Isséquiera!”
Guilherme Daborda (nome fictício), ex-maçon no fundo de desemprego desde acidente de trabalho,
agitador revolucionário no tasco a tempo inteiro a partir da quarta super-bock.
fonte: jornal MAPA http://www.jornalmapa.pt/2017/02/15/sejamos-ingovernaveis-traducao-do-texto-saido-da-coordenacao-nacional-as-eleicoes-francesas/