Foi concluída a 1ª reunião autônoma de comunidades e organizações de base dos povos indígenas da Venezuela. Os irmãos e irmãs que logramos realizar esta reunião nos retiramos complacentes a nossos lugares de origens, conscientes que conseguimos deixar um legado no início de um caminho verde para o qual estamos preparados.
O que nos reúne
Nos reuniu a necessidade de verificar que não acontece somente a nós o saque do território a favor do Capital Transnacional Mineiro, nos reuniu a necessidade de escutar com cuidado o canto de nossos ancestrais para reafirmarmos que este caminho não começa no passo que agora damos, mas que é cheio de conhecimento acumulado nas marcas da guerra pela dignidade que fizeram nossos ancestrais, nos reuniu a necessidade de contarmos como fazemos para viver este tempo sem que o tempo que domine seja o que se nos impõem, os que pensam que viv er é se burlar da vida e da natureza, os que se creem donos de terra e de nosso sopro de vida, o tempo, os que estão convencidos de que inventaram o tempo e que as estrelas são para enfeitar seu vestido e seu guarda-sol.
Nos reunimos para celebrar o amparo da tarde do mundo, o que sabemos de nós mesmos assombrados diariamente de cada variação sagrada da luz e das sombras, conscientes que a luz e a sombra nos evidencia o amparo ancestral que nos mantém e nos guia.
Nos reunimos para que um bom notário crioulo nos revisasse uns papéis confusos que chamam títulos de demarcação que não conseguimos trocar nem por espelhinhos.
Nos reunimos para contar o silêncio que presenteamos aos que pensam que sabem mais de nós que nós mesmos. Nos reunimos para entregar as chaves de uma casa recém presenteada, da que não podemos sair nem entrar sem pedir permissão.
Outro caminho no qual vão chegando
Nos reunimos para sentarmos juntos a esperar a chegada de nossas irmãs e irmãos que ainda não vêm, porque não é fácil chegar a esta reunião, já que é outro o caminho que nos conduz até este lugar agora, outros caminhos muito diferentes ao caminho do poder, dos obséquios, do medo às ameaças, da dor de nossos jovens nas minas, e dos animais mortos por diversão, da morte do rio, das árvores cortadas pela máquina, dos dirigentes que afastam seu coração do lugar que os viu viver, que os juntou e os fez sua extensão.
Um lugar em que ninguém vive
Nos reunimos em Caracas porque sabemos que alguma vez aqui não houve um edifício grande ou uma igreja, senão nossa casa comum, aonde podíamos morrer sem danificar, e vivermos sem nos matar. Por isso nos reunimos em Caracas para nos afastarmos dela, do que é agora e manter nosso coração no lugar onde tem que estar, para chegar a este caminho que nos reúne, há de saber escutar a canção que cantam os ancestrais.
Aqui caminhamos de tal maneira que nos podem alcançar todos, que cada novo irmão que vem a caminhar nos vem a ensinar, que cada vez que chega uma comunidade e dá um passo, nós compreendemos que aprendemos deles, que vem com seu conto a nos ensinar. Não caminhamos à frente de nossos irmãos, caminhamos a um passo tal qual ninguém possa ficar atrás.
As paredes de Caracas dizem que contam os latidos, mas ninguém parece escutá-los, senão como é que ninguém se reconhece indígena, ninguém escuta a canção de onde todos viemos, ninguém conhece sua origem.
O que somos, o que aprendemos
Somos para isto que nos reúne e para isto que iniciamos, as organizações e comunidades que persistimos, os que honramos aqui, nossas próprias soberanias e governos ancestrais frente a imposição de outras formas coloniais e autoritárias de organização, somos os que cultivamos nossos alimentos e o caçamos, e pescamos sem destruir à mãe que nos doa a vida a troco de esforço e aprendizagem, os que dizemos não à loucura de liberar a energia guardada na terra para que ela se volte co ntra si mesma.
Os que falamos Não ao Arco Mineiro e a legalização da matança que é a mineração ilegal que os governos consentiram para agora nos oferecer ordenar a morte da que tem sido parte com uma morte maior. Os que falamos que a violência armada não é admissível nem legal e nomeamos aos irmão e irmãs que nos arrebatou o Distrito Militar e o estado de exceção em Guajira. Os que por 1000 anos temos seguido a Anotchi, a Abokinou, a Sabombo, a J uncho Anane, a Aristides Maikishi e a Sabino Romero em Perijá, na Sierra Perijá contra as transnacionais petrolíferas e mineiras. A Oustre, armados com junayas no deserto que anuncia os sonhos, somos os alunos de Ramón Paz Ipuana. Os filhos maiores que remamos ao lado de Nigale Einmatualee. Somos os que sabemos que detrás das mentiras está a destruição do Coltan, do Ouro do Fosfato e do Carvão.
Somos os atrasados de tua história que não precisam de hidrovias para navegar suas canoas, somos os que não encaixamos montados em nossos burros e bicicletas em teus canais secos. Somos os que caçamos por 1000 anos em teus corredores de biodiversidade sem que desaparecessem as antas e as abelhas.
Somos os que nos empenhamos em ser pobres, os negligentes que não compram o desenvolvimento que nos dá o Banco Mundial, porque a brisa não é suficiente, porque o dinheiro nos molha antes de se desvalorizar, porque a casa nos move suavemente, os que morremos por tua gasolina barata e tua cômoda avareza.
Somos o diálogo com a alegria, não o diálogo enganoso para esperar que te rendas, não o diálogo que inventa caciques de papel, somos os que aprendemos e os que nos completamos em ti, porque não somos suficientes sem ti, somos muitos, mas ainda podemos crescer e cresceremos.
Viemos porque decidimos falar e retornar
Viemos a aprender e aprendemos, ficamos satisfeitos em nos escutarmos e contarmos, nos vimos refletidos na experiência de luta e persistência que caminhou ao nosso encontro na palavra viva e florescida de nossos irmãos e irmãs da Bacia do Amazonas, do Orinoco e da Bacia Ocidental do Lago de Maracaibo, de Wuonmainkat.
Nesses lugares que não estão marcados nos mapas do egoísmo, nos que tudo é verde e vazio segundo os cartógrafos de Índias, vivemos e nos multiplicamos, somos o número da besta que temos, somos os belos que te aterra, somos o que tua Bíblia cristã chama legião, contando-nos às crianças, os avós, as garotas, os guerreiros, os pássaros, o jaguar, o urso e os macacos que são muitos ainda.
Viemos e nos vamos porque que temos o que fazer e vamos fazer não é esperando na porta de teus ministérios e morrendo nas portas de teus hospitais, nem vendendo chapéus na esquina de teus museus.
Viemos te dar uma notícia que ainda não entendes, porque assim escrevem em tua cidade não os jornalistas mas sim os poetas inúteis que enfeitam os palácios e as vendas de licores.Somos povos em luta.
José Quintero Weir, nação Añú
Fonte: http://venezuela-centro.contrapoder.org.ve/spip.php?article304
Tradução > KaliMar