/// . Baobá Voador .
Permangola, uma experiência de corpos em Afroperspectividade

O Quilombo foi um espaço de libertação, uma zona autônoma em que o respeito mútuo e a coletividade se opunha ao mundo do trabalho escravo. Espaço de luta e dança, música e utopia vivida. Que ainda resiste nos dias de hoje: quilombos esquecidos que foram atropelados pelo conservadorismo da região, quilombos que conquistaram frentes de luta coletivas, e kilombos de capoeira angola e permacultura com o Kilombo Tenondé, uma das experiências mais antigas de permacultura brasileira. Esquecido dos livros oficiais, transformados em espaços de segregação via perseguição bélica e estatal, foi também transformado em teoria decolonial, espaço de cruzamentos necessários, defendido por Abdias Nascimento em seu livro “Quilombismo: Documentos de Uma Militância pan-africanista” de 1980. [0]

“A semente do Kilombo Tenondé foi plantada há vários séculos atrás nos quilombos do Brasil. Durante a colonização, o povo africano organizou comunidades auto sustentáveis de resistência contra a escravidão e a opressão, baseadas nos princípios de suas culturas de origem. Apoiados pelos nativos do Brasil e europeus exilados, os quilombos tornaram-se um grande movimento de resistência contra o sistema colonial. Isso aconteceu não apenas no Brasil em outras regiões da diáspora africana, como no México, América Central e América do Sul, onde eram chamadas de Palenques.”[1]

Quando perguntei a Dó, antigo proprietário da terra de centenas de hectáres na beira de um rio em Valença na Bahia, cujo tio vendeu o terreno para a futura comunidade do Mestre de Capoeira Angola, Cobra Mansa, (Cobrinha, de um coração transversal do tamanho do mundo), quando conheceram a permacultura, me disse que conheceram buscando uma alternativa para transformar a imensa área de pasto para gado em uma área de agrofloresta com comestíveis (para humanos e animais) entre a mata nativa, assim como áreas de colheitas permanentes. Hoje alguns vizinhos produzem aproximadamente 40.000 kg de polpa de graviola, que além de consumirem diariamente, são vendidas com preços que variam de R$ 2,30 a R$ 3,20 na região. A horta deles produz folhas e temperos diários para o grupo de no mínimo 10 visitantes (podendo chegar a centenas nos dias de Permangola) convivem com um núcleo duro de 4 pessoas, as famílias de Dó e Cobra Mansa, que há anos vêem a transformação do lugar, apoiando a todxs que chegam como podem com suas rotinas, tendo a Capoeira Angola dária como centro motor da reunião de corpos. A descolonização e a permacultura como ferramenta para dar continuidade à resistência ancestral. Ou como define a Filosofia afroperspectivista de Renato Nogueira: “o pensamento como movimento de idéias corporificadas, porque só é possível pensar através do corpo. Este, por sua vez, usa drible e coreografia como elementos que produzem conceitos e argumentam.”[2]

Em um espaço de socialização fluída em que saberes se cruzam, recebe pessoas de todo mundo, algumas permanecendo mais ou menos tempo, semanas ou meses, muitos estrangeiros. Há 10 anos realizam o Permangola encontro que recebe umas 120 pessoas que acampam do local e realizam atividades diárias de capoeira angola, trabalho em palha, oficina de minhocário, artesanato com palha, agrofloresteria, etc.

Mestre Cobra Mansa durante um dos treinos, recuperando-se de uma contusão séria no tendão, fala dos desafios de ver e ter feito sobreviver a Capoeira Angola no Brasil, quando ela já estava praticamente em extinção, assim como ver a capoeira hoje mais preocupada com a estética, deixando de ser uma forma de luta genuína, uma defesa necessária num mundo ainda cheio de opressões e desafios cada vez mais maiores. a capoeira como uma força existente e necessária hoje. Falou também sobre sua preocupação com a burocratização da capoeira, oriunda desde os políticos que querem institucionalizá-la, eles e não os capoeiristas ditando as regras do proceder da capoeira, suas éticas ancestrais diluídas. Inclusive com o risco da re-criminalização aos grupos que se recusarem à institucionalização. Essa é a outra batalha que enfrentam.

Além dos treinos diários de Capoeira, da rotina de trabalho coletivo no campo, mantém um laboratório aonde produzem vinagres, sabões artesanais, cosméticos, óleos essenciais, remédios etc, de acordo com as competências dos visitantes e a rotina do espaço.

Além do rio, da história, das práticas e vivências, uma linda biblioteca serve de referência para todxs nesse lugar que chamamos Brasil nos faz lembrar de uma história que não foi contada, de um saber que não foi compartilhado mas que resiste ainda vivo forte, pulsante, lindo e porque não… perigoso! nos corações e corpos desse rincão bahiano.

Viva a Permangola!
Viva o Quilombismo e a Afroperspectividade!
YÊêêêêêêêêêê!

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Permangola em Valença na Bahia, 18 a 24 de janeiro de 2016
http://www.kilombotenonde.com/pt-br/permangola/

[0] Quilombismo de Abdias Nascvimento O-QUILOMBISMO-Abdias-Do-Nascimento
[1] http://www.kilombotenonde.com
[2] “Afroperspectividade: por uma filosofia que descoloniza” http://www.nacaoz.com.br/2015/afroperspectividade-por-uma-filosofia-que-descoloniza/

Vídeo sobre o Permangola

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