“Um país em desenvolvimento não pode deixar de utilizar seus recursos petroleiros. Especialmente quando existem necessidades insatisfeitas. O petróleo oferece o capital necessário para alcançar as metas do milênio, para acelerar o crecimento econômico. Além do mais, dado que a produção petroleira deixará de ser rentável em poucos anos, deve-se extrair o recurso o mais rápido possível para aproveitar os preços altos”. Enunciados como estes parecem repetir-se incessantemente porque sua verdade parece evidente. Mas, realmente é? Como qualquer atividade a petroleira tem “custos” que não parecem refletir nos indicadores de impacto que monitoram o desempenho de uma indústria extrativa a curto prazo.
Geralmente, esses custos estão relacionados com negócios que governantes e governados não conseguem apreciar com facilidade porque suas manifestações sensíves não são nem imediatas e nem diretas. Nestes custos ocultos, encontra-se “o custo de uma decisão”. De que estamos falando? A manutenção de uma atividade econômica implica reproduzir relações sociais e estruturas organizacionais que apoiam seu desempenho. Por isso, seguir extraindo petróleo é continuar fomentando todas aquelas formas de produção, consumo e vida que emergiram com a civilização petroleira.
À margem disso, a persistência das atividades extrativas implica incrementar os custos econômicos e os prejuízos sociais derivados da reprodução das falhas de mercado associadas à indústria petroleira, uma das quais é a permanência das estruturas e comportamentos monopólicos. Continuar as atividades extrativas favorece aquelas decisões políticas que, para benefício de alguns, capturam recursos públicos que poderiam ser utilizados para fins alternativos, como a promoção da pequena agricultura. A quem importa esse custo? A todos, incluindo a quem parece estar interessado somente em obter lucros a curto prazo. Independentemente de seus desastrosos efeitos ambientais, a manutenção da extração petroleira colocará as nações em uma situação de desvantagem econômica e tecnológica estratégica. E os países desenvolvidos sabem muito bem disso.
Nos últimos cinco anos, os governos e as empresas dos países do G8 têm incrementado notoriamente seus esforços para assegurar sua independência econômica e segurança energética até 2030. Este objetivo aparece refletido recentemente, por exemplo, na Energy Policy Act (2005) e na Advanced Energy Strategy (2006). De fato, a tarefa de aumentar a segurança energética de um país implica substituir o consumo de petróleo pelo consumo de outras formas de energia. A transição até um “capitalismo pós-carbono” não implica somente no uso de novos combustíveis.
Na realidade, a construção de sociedades “de baixo consumo de petróleo” pressupõe desmontar todos os clusters de atividades públicas e privadas que dependem de, ou estão relacionadas com, a extração do petróleo. Evidentemente, a “descarbonização” da civilização capitalista implicará em tomar decisões que gerarão conflitos com aqueles agentes econômicos que não podem adaptar-se com facilidade e rapidez às novas condições. E, obviamente, o conflito não parece ser um negócio rentável para os políticos. Apesar disso, os governantes e os empresários dos países mais desenvolvidos já estão tomando medidas a respeito porque a ameaça da inação é ainda pior: a obsolescência tecnológica e o estancamento econômico.
Durante o século XXI, os países, as empresas e as famílias que insistirem em viver do petróleo estarão expostos à uma maior vulnerabilidade. Devido as características físicas do petróleo pesado, a extração deixará de ser economicamente rentável. Depois do “pico do petróleo”, certamente a extração poderá continuar, mas como uma atividade cuja realização implicará em custos maiores do que os benefícios econômicos. Todos os países, incluso aqueles financeiramente mais “poderosos”, estão sujeitos à restrição. Por isso, o dinheiro não basta para satisfazer todas as necessidades, menos ainda aquelas das indústrias em decadência. Em um período de duas décadas, a produção petroleira apenas poderá prosseguir se a sociedade decide manter e aumentar os subsídios à esta atividade. E, se esta opção não é economicamente racional nem mesmo nos países desenvolvidos, haverá sentido em países com inúmeras necessidades básicas?
Desde o setor privado, a visão não é muito diferente. Do ponto de vista das empresas, a demanda de petróleo e seus derivados terá uma tendência cada vez mais decrescente, incluso se um país decide prosseguir com seu apego ao combustível negro. Para o empresário, então, haverá sentido especializar-se na oferta de bens e serviços que cada vez serão mais substituíveis? Poderá dizer que estas tendências da demanda serão óbvias e notórias em 2020. Por acaso esse horizonte temporal está muito distante?
Nos países não desenvolvidos, devido aos custos e subsídios nos quais as empresas e os governos terão que custear, a atividade petroleira não gerará ingressos suficientes nem sequer para seguir a “regra de Hartwick”, ou seja, a inversão dos lucros do petróleo em outros ativos não petroleiros será insuficiente para manter o crecimento econômico a longo prazo. E tudo isto sem contar o “ saldo líquido energético”!
Por outra parte, todos os países entrarão em uma corrida para desfazer o “custo de ajuste energético”. Em um mundo onde a globalização perpetua as assimetrias entre as nações, o país que modifique rapidamente suas estruturas e processos econômico-ambientais, terão maiores possibilidades de passar os seus prejuízos a outros países. Por isso, ainda que os Estados Unidos continue dependendo dos combustíveis fosséis até o ano de 2030, o negócio geopolítico deste país tem duas arestas: por um lado, efetuar paulatinamente uma transição até outras formas de energia, e por outro, manter os produtores de petróleo do terceiro mundo dedicados ao velho negócio de sempre – fornecer petróleo e matérias-primas aos países desenvolvidos.
No caso dos países não desenvolvidos, o apego à exploração petroleira provoca um prejuízo adicional: o deterioramente das condições e capacidade de política pública. Do que se trata? Há décadas, como parte dos discursos para manter a esperança dos países exportadores de petróleo, os governantes e as empresas transnacionais tem sustentado que o óleo constituirá um mecanismo para elevar o nível de vida da população. Isto não sucedeu. Como pode-se evidenciar no Equador, as elites têm desfrutado da “festa do petróleo” sem gerar uma maior redistribuição da riqueza social. Apesar das declarações governamentais, esta tem sido a norma desde 1970. Isto mudará substancialmente no futuro?
A “maldição dos recursos naturais” tem origem em uma expressão que resume a utilização dos ingressos petroleiros para financiar gastos economicamente improdutivos. O desperdiçio fiscal é, sem dúvida, a ponta do iceberg. Sejam quais forem os desperdiçios fiscais, nos países não desenvolvidos e com democracias precárias, a extração petroleira tem contribuído substancialmente para a dissolução do público. Graças ao petróleo, as elites empresariais e as corporações transnacionais têm assegurado seu controle sobre o Estado para garantir a apropriação da riqueza coletiva. Nestes esforços, aqueles grupos de interesse têm convertido o Estado em um administrador que reparte assimetricamente as vantagens obtidas por um recurso natural. Por isso o “ouro negro” tem obscurecido o bem estar dos mais pobres.
Sendo assim, a obstinação para extrair o petróleo implicará em preservar todos aqueles fatores político-econômico que, nos países menos desenvolvidos têm contribuido para a fragilidade dos Estados, ao desmantelamento da democracia e a consolidação da desigualdade intrageracional e intergeracional.
No século XXI, a humanidade enfrentará uma transformação sem precedentes históricos: mudar as formas de organização social e econômica baseadas no uso intesivo de energia gerada pelos fósseis. A “riqueza das nações” dependerá da forma pela qual se efetue essa transição. Desde o ponto de vista das políticas públicas, a transição até sociedades pós-petróleo presupõe a criação de processos para sacar da jogada os grupos de pressão doméstica e transnacionais, públicos e privados que estariam interessados em manter o status quo energético.
Similarmente ao que aconteceu com as políticas econômicas anticíclicas durante a época do ajuste estrutural, os países desenvolvidos pareciam estar pouco interessados em que os países não desenvolvidos adotassem como norma de conduta a previsão e planificação à largo prazo. “O que é bom para o Norte, não é bom para o Sul”. Essa poderia ser a frase que resume essa atitude.
Sendo assim, enquanto os países mais industrializados delineiam suas estratégias para manterem-se na crista da “nova onda da globalização”, os países não desenvolvidos seguem recebendo recomendações para manterem-se atados ao velho capitalismo carbônico… e, quando o fazem, as instituições financeiras aplaudem “a boa prática”.
Os sistemas energéticos são sempre e sobre tudo sistemas sócio-tecnológicos. Por isso, as transições são processos lentos de transformação das relações sociais. Quanto mais demora-se em efetuar uma transição, maior será a “brecha energética” entre os países pobres e os países desenvolvidos. Insistir na exploração petroleira é o primeiro passo até um caminho de efeitos pervesos para nossos países. A inseguridade energética é apenas um deles. Se não alteram-se os processos de decisão e as estratégias de crescimento baseadas no uso de petróleo, o Equador permanecerá preso em um reduzido “espaço de política” que favorecerá a reprodução de “economias intensivas em energia” e ineficientes no uso energético. As consequências ambientais desta armadilha são óbvias: uma maior depredação ambiental. Mas as consequências sociais, podem ser imaginadas?
Para toda essa irracionalidade, sim existem alternativas. Apesar de não ser a melhor opção imaginável desde uma perspectiva ecológica, a constituição de um “fundo petroleiro” poderia ser uma saída ante a intransigência e indolência das elites.
Nas últimas décadas, na Noruega, Canadá, Alaska, Azerbaizão, Cazaquistão, Timor Leste, Chad, São Tomé e Príncipe ou Papua, Nova Guiné, têm-se implentado desenhos institucionais para evitar que os ingressos petroleiros sejam desenvolvidos segundo as conveniências políticas conjunturais de quem detém o poder. Se trata dos “fundos de recursos naturais”, mecanismos de arrocho forçado que, para evitar o consumo atual de um patrimônio coletivo, permitem aos governos utilizar os ingressos petroleiros somente em determinadas circunstâncias, ou seja, um desajuste severo da balança de pagamentos, uma recessão econômica prolongada ou uma crise bancária.
Nos países não desenvolvidos, a magnitude da miséria poderia converter o arrocho intergeracional em uma opção insensível aos padecimentos das atuais gerações. Por isso, aquele mecanismo poderia ser modificado em um sentido favorável às maiorias, a saber, “trocando petróleo por vida”.
Assim, e em caso de que não existam as correlações forças necessárias para optar pela suspenção da extração petroleira, deveria-se impulsar um grande acordo social para utilizar as últimas gotas do custoso recurso para o financiamento dos serviços públicos de saúde e educação.
Desta maneira, além de começar a delinear a transição até uma sociedade pós-carbono, além de evitar o aproveitamento privado do patrimônio nacional, os últimos anos da produção petroleira poderiam converter-se nos primeiros anos de uma silenciosa mas poderosa construção: o incremento do bem estar e as capacidades da população. Com uma população sana e educada, capaz de converter-se em gestora de seu próprio destino, os países não desenvolvidos criarão as condições fundamentais para compensar as futuras gerações por sua atual dependência do petróleo.
Juan Fernando Teran, Universidade Andina Simón Bolivar.