A abundante e renovável energia solar é perfeita para um local que busca formas alternativas de consumo energético. Praticamente todos os países ocidentais vivem hoje o chamado “pico do petróleo”, ou seja, já ultrapassaram a capacidade máxima de exploração e produção, necessitando agora explorar em locais extremamente inviáveis, mais profundos e um óleo de baixa qualidade, como é o caso do Pré-Sal, no Brasil. Acarretando mais desperdício energético para produção de combustíveis e um elevado risco de desastres ambientais. A biodiversidade em perigo muito mais iminente.
Protestos e projetos contra o petróleo ocorrem com frequência na América Latina, como os conjurados aqui em Quito junto aos movimentos indígenas. Ano passado 8 meninas foram presas na embaixada da china por protestar contra os projetos petroleiros patrocinados pelo país, que vem financiando boa parte dos investimentos. Outra ação foi realizada através de mobilizações populares e assembléias: o “petróleo abaixo da terra e CO2 fora da atmosfera” a respeito do território indígena Yasuni na selva amazônica, onde desde 2007 ocorrem várias explorações por empresas estrangeiras como Repsol (espanhola-argentina), Pérez Comoanc (Argentina) e Vintage (estadunidense). O Parque Nacional Yasuní pertence a uma “Reserva da Bioesfera” (89, Unesco) e são as terras ancestrais dos povos Huaorani que inclui grupos que se isolaram voluntariamente nesta área, muitxs dxs quais “(aproximadamente 80%) estão hoje contagiados por Hepatite B e C cuja causa provável seja o trabalho [dos indígenas] nos acampamentos petroleiros”[1]. A proposta visa não explorar mais a região através da compra de um “crédito ambiental” e a manuteção do super-poluente óleo abaixo da terra.
Outras micropolíticas encontramos aqui na Comuna de Rhiannon, há uma hora de Quito, um espaço de permacultura onde convivem em média 15 pessoas, e que depende exclusivamente da luz solar. Possuem paíneis solares para a energia da casa e outro esquema de aquecedor para a água. A bicilavadora que vamos ver a seguir é um exemplo de tecnologia apropriada.
Para enfrentar esse cenário com uma ação cotidiana propomos uma outra tecnologia apropriada, um forno solar. Descolonização e permacultura, são mais do que dois conceitos convergentes que falam sobre novas relações com a terra, com os ciclos naturais e com as culturas originárias, são práticas cotidianas que podem ser acionadas de forma muito simples e com materiais encontrados em nosso entorno. Uma atitude pró-ativa de curiosidade e vontade de mudança faz nos conectar com outros saberes, novas práticas. Muitas das quais são apenas observações do nosso próprio dia-a-dia. A proposta que fizemos foi a de pensar os dois conceitos desde a realidade da cidade de Quito, com a confecção de certos dispositivos de experiência: um forno solar e uma pequena horta. Para o forno foram utilizados majoritariamente materiais coletados. O sol quentíssimo do Equador poderá ser sentido em sua plenitude de sabores! A segunda proposta – a ser realizada, iniciando com uma composteira – é a confecção de uma pequena horta com materiais já encontrados na casa (pneus de carros, garrafas plásticas, vidros etc). O processo de descolonização da indústria do alimento, da energia, do petróleo e nosso biopoder cotidiano são forças inigualáveis! Faca-vc-mesmx!
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Forno feito com caixa de papelão e chapa metálica da rua, sacolas plásticas e papel alumínio. O modelo é novamente o do albano (tutorial abaixo). Dessa vez fizemos a tampa e a sobretampa como indicado no tutorial mas a argila não endureceu direito, e com o vapor do cozimento ficou muito frágil e quebradiça. Estamos à procura do cabo de vassoura (como no modelo original), mas o lixo do equador não é como do brasil… há inúmeras cooperativas de catadores e pouco se acumula de lixo nas ruas. Acabamos cozinhando somente com o acrílico transparente e a capa plástica por cima presa com uma liga de borracha. Tem funcionado muito bem!
Por volta de 4 pessoas vieram em tempos diferentes para a oficina, trazendo muitos materiais como cola e spray preto. Conversamos sobre o modelo energético atual, sobre a aparente naturalidade de termos em nossas cozinhas o gás, do quanto letal é o seu processo de produção e deslocamento (no caso do Equador a maior parte vindo diretamente da Selva) e como nossos atos cotidianos sem querer acabam legitimando a construção de megaprojetos como por exemplo um que envolve nossos países (Equador e Brasil), Manta-Manaus [2], uma rodovia a cruzar toda a extensão da Amazônia, um dos mais de 500 megaprojetos a serem implantados nas américas através da plataforma IRSSA[3] que já está em andamento desde o ano 2000. No Brasil seu mais controverso projeto sob o guarda-chuva de megaprojetos PAC, no mesmo estilo IIRSA, é a hidrelétrica de Belo monte, mas são muito mais os espetaculosos projetos. Manaus-Manta por exemplo foi desenhado para conectar o porto da cidade de Manta da costa pacífica com Manaus o porto a oeste do brasil – criando uma alternativa ao canal do panamá – e inclui uma série de portos, rodovias, aeroportos, gasodutos e hidrovias.
Cozinhamos no primeiro dia alcachofras, cebolas, tomate e pimentão. Infelizmente o forno ficou pronto só à uma da tarde e às 3 tinha acabado de começar seu cozimento, quando o sol começa a se pôr. No dia seguinte as 10 da manhã ao sol, comemos deliciosos brocolis com batata. No terceiro vagens… sempre um sabor único 🙂
http://fotos.midiatatica.info/gallery/main.php?g2_itemId=4203 (fotos, tutorial utilizado & otros links)
Materiais de referência
Copie-e-leve!
Forno Articultores (Buenos Aires, Argentina) [1] + Processo de trabalho [1]
Forno Cibersalão Pipa (Rio Grande do Norte, Brasil) [1] + [2]
Outros fornos (mais ou menos parabólicos, aproveitando o máximo a luz solar) [1] + [2]
Tutorial forno-solar de Albano (Ceará, Brasil, tierra del sol y los Tabajaras) [1]
Future Scenarios sitio de David Holmgren falando sobvre o pico do óleo e mudança climática [1]
Videos: Albano e a cozinha solar cearense [1]; Belo monte uma guerra anunciada, trailer [2]
Matéria sobre o modelo energético atual na américa latina, plano IIRSA [1], [2]. Para entender mais sore o IIRSA leia [1], [2] e [3]