começou por uma navegada casual na internet. há 4 dias acampados na praça porta do sol em madrid, desde o dia 15 de maio, nada aparecia em nenhum telejornal brasileiro. e assim foram chegando notícias, fotos e vídeos de companheiros protestando nas praças espanholas na véspera da eleição nacional. de uma câmera ao vivo online chegavam as vibrações, gritos e frases poéticas de protesto. nascida em 73 só poderia comparar aquilo com algo que nunca havia passado, e que sempre inflou meus sonhos libertários, a primavera de 68 na frança. os jornais começaram a se pronunciar depois das porradarias, vídeos de jovens, senhores, pessoas de todo tipo em resistência pacífica apanhando de cacetetes, cenas muito fortes até para os brasileiros acostumados à esse tipo de violência institucional. o momento foi avassalador. no mesmo dia jovens brasileiros apanhavam dos policiais na avenida paulista ao marchar pela legalização de uma planta, a favor de um diálogo honesto e urgente. na mesma semana ambientalistas eram assassinados em regiões dominadas por interesses corporativos no pará.
apelidados de movimento M-15 (15 de maio o dia em que tomaram as ruas) ou Indignadxs, em referência ao livro de Indignai-vos de Stéphane Hessel, um panfleto de 32 páginas de menos de r$10 que pode ser baixado na net em espanhol[1], muitas das táticas adotadas pelo movimento são inspiradas por uma geração ainda anterior de franceses, como o autor-símbolo da Resistência, conjunto de movimentos e coletivos que lutaram contra o nazismo durante a segunda guerra mundial, ao contrário de jovens do início do século xx de londres, paris, méxico e mesmo brasil que pegaram em armas para resistir. em defesa dos imigrantes ilegais, da luta palestina e da reconciliação entre culturas, na linha gandhi e luther-king, o autor é resumidamente um partidário da não violência que conclama a ação direta. “El motivo básico de la Resistencia fue la indignación. Nosotros, los veteranos de los movimientos de resistencia y de las fuerzas de combate de la Francia Libre, llamamos a la generación joven a vivir, transmitir, el legado de la Resistencia y sus ideales. Les decimos: Tomen nuestro lugar, ¡Indígnense!“. esse desenrolar aponta para um enraizamento da democracia no imaginário político coletivo e sem dúvida aponta formas ameaçadoras para aqueles que manipulam o jogo do terror e da anestesia física e midiática, explorando a exasperação causada pela violência corporativa e de estado que, se não polarizado com uma estratégia pacifista e ativa, acaba gerando somente mais violência.
acampados em uma praça central de madrid e em muitas outras cidades da espanha agrupam-se horizontalmente por comissões – comunicação, respeito, limpeza, alimentação, política a curto e longo prazo, meioambiente, infraestrutura etc em lonas e sofás. reuniões locais também acontecem em diferentes bairros reunindo-se em uma assembléia geral ao fim do dia. usando pseudônimos buscam as decisões por consenso o que em alguns lugares como málaga na andaluzia já resultaram em propostas enviadas ao parlamento regional. ansiosos por acharem líderes e propostas que possam ser incorporadas às suas agendas de governo, culpa-se a taxa de desemprego na espanha 43%, mas a crise é muito mais profunda, é política, social e cultural, entre outras esferas que entrecruzam-se em nosso cotidiano global precário. a mídia de massa imprime em papel que o movimento não poderá ir adiante se não tiver uma “organização” (o globo, 5 de junho) ignorando a forma extremamente ágil como o movimento se conformou e opera, através de redes sociais, em praças, conformando propostas sustentáveis, publicadas diariamente no blog #Acampadasol[3] como:
1. Alteração da Lei Eleitoral para que as listas passem a ser abertas e haja um único círculo eleitoral. O número de mandatos deve ser proporcional ao número de votos.
2. Atenção aos direitos básicos e fundamentais reconhecidos na Constituição, tais como:
– Direito a uma habitação digna, articulado com uma reforma da Lei Hipotecária, de forma que a entrega do imóvel em caso de falta de pagamento cancele a dívida.
– Saúde pública, gratuita e universal.
– Livre circulação de pessoas e reforço de uma educação pública e laica.
3. Abolição das leis e medidas discriminatórias como a Ley del Plan Bolonia y el Espacio Europeo de Educación Superior, a Ley de Extranjería e a lei conhecida por Ley Sinde.
4. Reforma fiscal favorável aos rendimentos mais baixos; reforma dos impostos sobre o patrimônio e sucessório. Implementação da Taxa Tobin, que taxa as transacções financeiras internacionais, e fim dos paraísos fiscais.
5. Reforma das condições laborais da classe política, para que se ponha fim aos salários vitalícios. Que os programas e as propostas políticas tenham caráter vinculativo.
6. Rejeição e condenação da corrupção. Que a Lei Eleitoral torne obrigatório que sejam excluídos das listas candidatos culpados ou condenados por corrupção.
7. Várias medidas no que diz respeito à banca e aos mercados financeiros, em cumprimento do artigo 128.º da Constituição, que estipula que ‘toda a riqueza do país, nas suas diferentes formas, sejam quem forem os titulares, está subordinada ao interesse geral’. Redução do poder do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE). Nacionalização imediata de todas as entidades bancárias que tiveram de ser resgatadas pelo Estado. Endurecimento do controle sobre entidades e operações financeiras para evitar eventuais abusos, sob as mais variadas formas.
8. Desvinculação de fato entre Igreja e Estado, como estabelece o artigo 16.º da Constituição.
9. Democracia participativa e direta, em que os cidadãos desempenhem um papel ativo. Acesso popular aos meios de comunicação, que deverão ser éticos e verídicos.
10. Verdadeira regularização das condições laborais, e vigilância do seu cumprimento por parte das autoridades estatais.
11. Encerramento de todas as centrais nucleares e promoção das energias renováveis e gratuitas.
12. Recuperação das empresas públicas privatizadas.
13. Separação efetiva dos poderes executivo, legislativo e judicial.
14. Redução das despesas militares, encerramento imediato das fábricas de armamento e maior controle das forças de segurança do Estado. Como movimento pacifista, acreditamos no “Não à Guerra”.
15. Recuperação da Memória Histórica e dos princípios fundadores da luta pela Democracia no nosso Estado.
16. Total transparência nas contas e financiamento dos partidos políticos, como medida de contenção da corrupção política.
(Propostas aprovadas na Assembleia do dia 20 de maio de 2011 no Acampamento Sol)[2]
sem dúvida inspirados pelas recentes revoluções pacíficas árabes, já que o país tem uma estreita relação com estes países desde a colonização, países como Portugal se juntaram ao movimento. em lisboa acamparam na praça Rossio por 2 semanas sob o nome Movimento Democracia Verdadeira, um grupo menor mas que reconhece “um primeiro dia de uma nova vida” vídeo da acampada portuguesa Dedicado a todos os que tornaram possível a Acampada de Lisboa
boaventura dos santos assinala as insurgências como os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público, a rua e a praça, aonde se discutem o sequestro das atuais democracias pelos interesses de uma minoria apontando novos caminhos para a construção de democracias mais sólidas capazes de salvaguardas os interesses da maioria. ressalta que os acampados não têm que ser impecáveis em suas análises, exaustivos em suas denúncias ou rigorosos em suas propostas, basta serem clarividentes na urgência de ampliar a agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração de uma vida digna social e ecologicamente mais justa.[4] leia mais sobre a apropriação de mídias sociais por movimentos na áfrica e no mundo árabe : África e a “Revolução 2.0”: Activismo em rede e militância no terreno
por fim, deixamos um parágrafo do livro de Hessel:
El pensamiento productivista, impulsado por Occidente condujo al mundo a una crisis de la que debe salir a través de una radical ruptura con el concepto de “crecer” no solo en el campo financiero sino también en el dominio de las ciencias y la tecnología. Ya es el momento de que las preocupaciones acerca de la ética, la justicia y el equilibrio duradero (económico y medio ambiental) prevalezcan. Porque son los riesgos más serios que nos amenazan. Ellos pueden poner fin a la aventura humana en el planeta, que puede llegar a ser inhabitable para los humanos.
CRIAR É RESISTIR. RESISTIR É CRIAR.
No Brasil, as marchas estão se multiplicando, só em um mês houveram e continuam programadas marchas e atos contra belo monte, a favor da legalização da maconha, protestos pela anistia dos 540 bombeiros presos, bicicletadas por ocupações em risco de desalojo, marchas nacionais pela liberdade de expressão programadas para o dia 18. [5] pelo menos um acampamento ocorreu na cinelância um encontro de tribos pela paz e outro em brasília o acampamento indígena terra livre que ocorre todo o ano. apesar de extrema fragmentação entre movimentos, tudo tende a aglutinar-se. o momento é já. inspiremo-nos para além dos modelos econômicos europeus, para além das mídias sociais, que só funcionam quando correlacionam-se com ações na vida real, indignai-vos e tomemos as ruas!
[1] baixe o livro em espanhol aqui http://www.4shared.com/document/tLsglo9z/47759817-Indignense-de-Stephan.html
[2] http://www.brasildefato.com.br/node/6402
[3] http://madrid.tomalaplaza.net
[4] http://www.rebelion.org/noticia.php?id=130087
[5] http://marchapelaliberdade.org
imagem da net
Olá,
Divulgamos o post em nosso twitter, confira em:
http://twitter.com/#!/instcrescer/status/79159375855497217
—
Abraços,
Equipe Instituto Crescer
http://www.institutocrescer.org.br/